A alma do País está morta
A alma do País está morta há algum tempo e todos conhecem os culpados. Só não estão é presos e muitos até receberam condecorações e comendas. Eles andam por aí.
Enquanto na Europa crescia o interesse por um acto eleitoral que afecta o continente, em Portugal aumentava a degradação do relacionamento entre os políticos e os eleitores atingindo a abstenção uma taxa elevadíssima. Neste domingo da ida a votos, onde por cá ainda se vota com a BIC agarrada a um cordel, sinal evidente do nosso atraso, o El Pais trazia um interessante artigo do muito popular Yuval Noah Harari, autor de “Sapiens” ou “Homo Deus”. Ali escrevia: «Muitos dos maiores crimes da história tiveram a sua origem, mais do que no ódio, na indiferença. Os seus responsáveis foram pessoas que podiam ter feito algo, mas não se incomodaram a levantar um dedo. A indiferença mata».
Portugal, apesar de um cardápio com 17 ofertas distintas no boletim de voto, mantém-se como o País europeu mais conservador quanto ao seu “establishment” partidário. Apesar do PAN ser já o quinto maior em Aveiro, Bragança, Faro, Leiria, Porto, Setúbal, Vila Real, Viseu, Madeira e Açores (batendo CDS ou CDU), algo notável para um “single issue party”, é visível que nada muda no lago dos tubarões. PS e PSD, neste caso mais António Costa que ridicularizou Rui Rio ao dar-lhe o pior resultado de sempre, pois nunca os sociais-democratas tinham tido sozinhos menos de 31 por cento em europeias, mantêm a sua posição de poder, porém, os portugueses vão alheando-se de rostos e conversas para os quais já não têm pachorra, não se revendo em ninguém.
Tenho para mim já há algum tempo que os portugueses estão cansados desta gente, esse é o maior voto não expresso nas urnas. Esse é o mais ruidoso sinal em silêncio contra a classe política existente. Enquanto quase 70 por cento das pessoas humilhava políticos com o seu desinteresse, Marcelo Rebelo de Sousa estava a acartar sacos no Banco Alimentar da senhora Jonet. Sim, também ele tinha mais do que fazer, não perdendo tempo a ouvir anedóticas declarações nocturnas. Todos são derrotados, mesmo os vencedores. Não há fascínio por nada que exista, contudo, esse voto de protesto, essa degradação da crença em pessoas e instituições ainda não tem um rosto e um programa que as agregue. Se houver em Portugal um partido político anti-sistema, que se assuma nem de direita nem de esquerda, mas que fale a linguagem dos cidadãos, sem patetas à sua frente mas que construa o seu discurso contra a corrupção, pela seriedade, pela honra, falando verdade, com gente nova e reconhecida terá um grande resultado e atrairá muitos portugueses. No entanto, falta ainda esse líder carismático, galvanizador e sedutor, capaz de chegar a vários públicos. Quando isso acontecer todo o sistema partidário em Portugal irá entrar em convulsão e regenerar-se.
Até esse dia chegar – se chegar – temos a certeza que Costa ganhará eleições porque é o melhor. Ponto. Rio continuará perdido no seu labirinto de provinciano que ainda não percebeu que só ele é que acha que tem competência para liderar o PSD e vai matando com suave veneno a capacidade dos “laranjas” terem futuro, pois o seu dia-a-dia é a condução ao definhamento de uma grande instituição criada por Sá Carneiro, o Bloco vai namorando e casando com o PS, o PCP afunda-se no seu apoio à Geringonça e sem Jerónimo perde toda a sua simpatia, o CDS irá crescer em legislativas mas nunca chegará a Rolls-Royce pois a sua natureza é de táxi. Enquanto isso, há praia, futebol, Netflix e programas para alienados, os portugueses continuarão indiferentes. Ninguém os estimula pois perderam o respeito por tudo. A alma do País está morta há algum tempo e todos conhecem os culpados. Só não estão é presos e muitos até receberam condecorações e comendas. Eles andam por aí.
Nota: O autor escreve segundo a antiga ortografia
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