A aterragem forçada da TAP
O pecado original da TAP começa em 2015 com a reversão da privatização. O resto é história, uma história cara. A pandemia não é um azar, é uma revelação.
A TAP é mesmo um exemplo, talvez o mais trágico, de cinco anos de governação em que o PS quis tomar conta do Estado, das empresas, das pessoas. O voluntarismo de Pedro Nuno Santos quando decidiu injetar 1.200 milhões de euros na TAP é a consequência lógica, e não a causa, de um processo que começou em 2015, com António Costa e outro ministro, hoje eurodeputado (Pedro Marques), quando o Governo reverteu uma privatização para dizer ao país que mandava na TAP. Passou a ter 50% do capital, mas na verdade nunca mandou, assumiu responsabilidades sem ter o poder, e criou os incentivos errados para o empresário David Neeleman. A pandemia não foi um azar, foi uma revelação.
A partir desse momento, o pecado original, o Estado voltou a assumir responsabilidades políticas na TAP, apesar de ter dado, em acordo parassocial, todo o poder executivo a David Neeleman, e pior, depois de ter criado o incentivo para que o empresário americano tivesse uma estratégia tão ousada como arriscada, de compra acelerada de aviões, de crescimento para sair tão rapidamente quanto possível. E isso esteve quase a acontecer, a Lufthansa estava mesmo a analisar a entrada no capital da TAP.
Aqui, é preciso constatar que a TAP, como outras empresas (veja-se o caso do Novo Banco) nunca foi a empresa que nos venderam, nunca foi a jóia que todos queriam. Ouvimos falar permanentemente da importância estratégica da TAP, do seu valor para o país e para o mundo, mas as tentativas de privatização da empresa dizem-nos o contrário. Aparecerem ‘raiders’ do setor como Efromovich, ou empresários do setor como Neeleman, que criam, lançam e vendem (regra geral a ganhar muito dinheiro). Não apareceu nenhum grupo industrial, como sucederia se a TAP fosse o que nos dizem. Não era, nunca foi, e a pandemia expôs todas as suas fragilidades.
David Neeleman (e Humberto Pedrosa, o outro acionista privado) deu uma nova dimensão à TAP, a companhia investiu em aviões, em pessoas, em novas rotas como as de longo curso para os EUA. mas a estratégia foi mesmo de curto prazo, “engordar o porco” para vender logo que possível. A dívida aumentou, e um plano que no papel dava lucros rapidamente resultou em prejuízos elevados em 2018 e 2019. A pandemia não explica tudo. Mas a ideologia explica muita coisa.
Perante as várias alternativas que se colocavam ao Governo, repetiram à exaustão que a TAP não poderia cair, sem cuidar de saber quanto isso custaria. Sem identificar alternativas — existem sempre — e os respetivos custos e benefícios. Nacionalizaram parcialmente a TAP, pagaram 55 milhões a David Neeleman para se ir embora. E pagaram um cheque de 1.200 milhões de euros para sustentar a companhia em 2020, com os aviões parados, e para o ano haverá mais um cheque de 970 milhões (e só não é outra vez superior a mil milhões de euros porque João Leão pôs um cap orçamental e político a uma nova injeção de fundos públicos). E quantos milhares de milhões serão necessários até 2025? O Plano de reestruturação identifica necessidades totais de três mil milhões, como o ECO revelou em primeira mão, mas quem garante que não serão quatro mil ou cinco mil milhões!? A TAP é um Novo Banco com asas. E foi isso que Pedro Nuno Santos percebeu, por isso é que tirou da cartola a ideia sui generis de levar o plano a votação no Parlamento.
As razões são óbvias. A TAP pode ser para o Governo a ‘TSU de Pedro Passos Coelho’. Custos sociais, custos políticos e a impossibilidade de assegurar que a TAP será alguma vez viável. É certo que só uma reestruturação poderá permitir à TAP viver sem fundos públicos, é uma condição absolutamente necessária, mas não necessariamente suficiente. Os que defendem a TAP deveriam ser os primeiros a defender a reestruturação, porque não fazer nada é simplesmente impossível, é o caminho rápido para a liquidação. E valha-nos a imposição comunitária, porque, ao ponto a que chegamos, provavelmente o Governo decidiria investir tudo o que tem e o que não tem, com impostos presentes e futuros, para manter a narrativa da companhia de bandeira.
O mundo mudou, e não foi agora com a pandemia, o hub em Lisboa é que é verdadeiramente fundamental, e os serviços públicos que muitos reclamam podem ser executados por outras companhias, a mais baixo custo. Até a fundação de uma Nova TAP seria mais barata do que manter a que existe.
A TAP também está a revelar mais uma crise dentro do Governo. António Costa tirou o tapete a Pedro Nuno Santos e não quer o plano de reestruturação votado no Parlamento. A razão está do seu lado, porque a gestão executiva, e a respetiva responsabilidade política, é da competência do Governo. O ministro das Infraestruturas percebeu onde se tinha metido e tentou contratar um ‘seguro político’. Foi tarde. Mas o que isto mostra é que o Governo está partido, não vai haver demissões porque nenhum dos dois está interessado nisso, mas Costa impôs a Pedro Nuno Santos uma humilhação política que fica como uma marca.
Isto não vai acabar bem. E vai custar-nos muito.
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