A captura do Estado
A captura do Estado de uma forma ainda mais completa do que no tempo de Sócrates garante que as lutas internas entre socialistas prosseguirão desde que o seu poder não seja posto em causa.
Portugal atravessa uma situação política caótica como nunca antes se tinha visto. Não porque haja uma mudança de regime, uma guerra, desastres naturais ou uma crise pela instabilidade dos aliados. Não, o caos é provocado pelos próprios governantes e desenvolve-se perante a passividade do primeiro-ministro, que é chefe do governo, e do presidente da república.
Como explicar tamanha bizarria de serem os próprios governantes, e os assessores e dirigentes que deles dependem, a provocar o caos e a pretender que ele não existe? Há uma abordagem económica sobre as decisões públicas e a regulação dos mercados que explica de uma forma quase perfeita o que se passa actualmente em Portugal em termos das atitudes e do modus operandi do primeiro-ministro, do governo e de alguns dirigentes superiores do Estado.
O economista Mancur Olson descreveu que as democracias tendem a desenvolver grupos de interesse especiais – “coligações distributivas” – que se organizam para conseguir que o governo lhes conceda subsídios e aprovem outras leis que os favoreçam. E outro economista, George Stigler, expôs a teoria da captura da regulação, em que as decisões dos reguladores estão sempre expostas à possibilidade de serem “capturadas” por grupos de interesse que se organizam para redistribuir os recursos públicos a seu favor ou para obterem rendas.
Estas teorias foram desenvolvidas no âmbito dos mercados de produtos e serviços, mas a captura por grupos de interesse especiais também existe nos mercados eleitorais, onde partidos e candidatos equivalem a produtores e competem por votos para alcançar e manter o poder, o Estado é o regulador que ambiciona mais fundos para os seus funcionários e os eleitores são os consumidores que ambicionam melhores condições de vida.
O funcionamento dos grupos de interesse especiais assenta na organização de coligações distributivas para fazer “lobby”, aceder a fundos públicos para promover a sua agenda e aumentar o seu rendimento, e em “portas giratórias” entre cargos nas estruturas partidárias, na administração pública, em reguladores, no governo e em empresas públicas.
O que é bizarro no caso de Portugal é que a captura de favores não é feita por entidades estranhas ao regulador, mas pelos próprios governantes, assessores e dirigentes, que actuam à ordem do Partido Socialista, a entidade externa que os colocou nos lugares-chave desse poder. Ou seja, pela teoria da captura os que deveriam ser “regulados”, os governantes e “eleitos” do PS, conseguem controlar os recursos da entidade “reguladora”, o Estado.
Esta realidade política portuguesa resulta de o Estado português ter sido capturado por um grupo alargado de interesses especiais, organizado sob uma entidade comum, o Partido Socialista. Assim se compreende o comportamento passivo e de negação da evidência do primeiro-ministro, pois ele é o principal agente da captura do Estado.
Para além disso também se compreende o comportamento caótico dos governantes pela sua pertença aos grupos de interesse especiais organizados para “capturar” e manter o poder, subsídios e outros favorecimentos. As contradições e desencontros entre o ministro Galamba, a sua chefe de gabinete e o seu adjunto, que denunciou as malfeitorias do Ministro quando percebeu que iria deixar o grupo de interesse especial, resultam desta captura.
A situação política portuguesa que resulta da captura orquestrada pelos agentes do Partido Socialista não é nova, mas agravou-se muito nos últimos anos. A captura foi feita de uma forma dissimulada por governantes e assessores que, em alguns casos, estão no poder desde os anos 1990. Augusto Santos Silva ou a chefe de gabinete de Galamba são exemplos. Mas muitos outros estiveram associados ao poder com Sócrates e continuam com Costa.
A situação política portuguesa que resulta da captura orquestrada pelos agentes do Partido Socialista não é nova, mas agravou-se muito nos últimos anos. A captura foi feita de uma forma dissimulada por governantes e assessores que, em alguns casos, estão no poder desde os anos 1990. Augusto Santos Silva ou a chefe de gabinete de Galamba são exemplos. Mas muitos outros estiveram associados ao poder com Sócrates e continuam com Costa.
Estes grupos de interesse específicos formados por assessores, dirigentes, presidentes e administradores de empresas públicas apoiaram a ascensão ao poder do socialismo na esperança de vir a beneficiar da captura do Estado. A prática mostra que isso acontece enquanto houver convergência entre os interesses do Partido Socialista e os interesses individuais de cada um dos potenciais beneficiários.
Os exemplos de captura pelo Partido Socialista são demasiados para poderem ser elencados, mas a CReSAP é exemplar. A CReSAP passou de entidade criada para filtrar e seleccionar candidatos a presidentes, administradores ou dirigentes do Estado para, após a sua captura, passar a “carimbar” os eleitos pelo PS. Esta mudança foi garantida pelo governante com a sua tutela, Fátima Fonseca, sob a orientação do primeiro-ministro e do ministro das finanças.
Há outros casos como a passagem do mesmo ministro das finanças para o Banco de Portugal, a pronuncia da Inspecção Geral de Finanças sobre irregularidades na indemnização de meio milhão de euros paga pela TAP à ex-secretária de estado do tesouro sem contactar a então presidente da empresa ou a conclusão do Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações de que não é grave que o SIS apareça em casa das pessoas às tantas da noite.
É por este prisma que se entende a pancadaria, as mentiras, os enxovalhos, a actuação das secretas e todas as estórias típicas das repúblicas das bananas na América Latina, Ásia ou África, e que agora também em Portugal são apenas uns “casinhos corriqueiros”.
Para além destas novelas e da impotência que os portugueses sentem perante tamanha bandalheira, os problemas causados por esta captura são imensos. A preocupação central das teorias referidas é que os grupos de interesse especiais privilegiam os seus objectivos particulares em prejuízo da população e que esta, por estar dispersa, não se apercebe nem se consegue organizar para defender os seus próprios interesses.
A situação é mais perigosa no caso do mercado político porque, ao contrário dos mercados de produtos que funcionam ininterruptamente e permitem que a independência face a influências externas seja afinada, o “mercado” eleitoral funciona de uma forma descontínua em que a decisão resulta de eleições que decorrem com o intervalo de anos, o que significa que o risco de captura pelo partido no poder (especialmente com maioria absoluta como agora) se estende no tempo e está protegido da contestabilidade de outros “concorrentes”.
Esta diferença é ainda mais grave porque a captura no mercado eleitoral não se limita apenas a uma agência reguladora de um mercado, mas a todo o Estado, que é quem implementa as decisões e gere os recursos públicos. A protecção de todo o Estado de influências externas torna-se muito difícil dada a sua dimensão e abrangência. Por estes motivos, o funcionamento do mercado eleitoral é muito menos eficiente e permite que os abusos e a captura do poder para “desviar” os recursos públicos sejam mais frequentes.
O que a abordagem nos diz é que os interesses entranhados no Estado em Portugal são muitos e cada vez maiores, e que por isso os socialistas nunca irão abandonar o poder. A captura do Estado de uma forma ainda mais completa do que no tempo de Sócrates garante que as lutas internas entre socialistas prosseguirão desde que o seu poder não seja posto em causa.
Por fim, a única coisa que a abordagem não consegue explicar é o comportamento da única pessoa que pode acabar com esta captura do Estado, Marcelo Rebelo de Sousa.
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