
A Europa precisa de investidores e não apenas de aforradores
Converter a poupança em investimento produtivo não é apenas uma boa política económica, é atualmente uma condição de sobrevivência.
A Europa continua a acumular poupança, mas investe pouco no capital das suas empresas e quando investe arrisca também pouco. AS estatísticas demonstram que, apesar de níveis elevados de riqueza financeira, a maior parte do dinheiro das famílias europeias permanece em depósitos bancários de baixo rendimento, enquanto as empresas carecem desse capital para crescer e inovar. O continente que valoriza a segurança acima do retorno é, assim, hoje um dos que menos transforma poupança em investimento produtivo. O resultado é visível: Menor crescimento, menor produtividade e menor dinamismo empresarial face aos Estados Unidos. Transformar aforradores em investidores tornou-se, assim, uma das tarefas económicas e políticas mais urgentes da Europa, e o novo programa da Comissão Europeia, Savings and Investment Accounts (SIA), tem o mérito de o procurar fazer.
O SIA, sob proposta da Comissária portuguesa Maria Luís Albuquerque, pretende romper com estas décadas de imobilismo financeiro na Europa. A Comissão quer canalizar parte da poupança das famílias, hoje “estacionadas” em contas bancárias ou certificados de aforro, para instrumentos de investimento acessíveis e fiscalmente simples. A meta é cultural antes de ser financeira: criar uma geração de europeus dispostos a participar nos mercados de capitais e a beneficiar, diretamente, do crescimento económico.
Entre 2009 e 2024, o índice Eurostoxx 600 cresceu mais de 50 % em termos reais, enquanto o dinheiro em depósitos perdeu mais de 10 % do seu poder de compra. Mesmo assim, mais de 30 % da riqueza financeira das famílias europeias permanece em depósitos, contra apenas 13 % nos EUA. Lá, o investimento em ações é parte da cultura económica; aqui, o receio do risco continua dominante.
Os estudos de Elroy Dimson, Paul Marsh e Mike Staunton (Global Investment Returns Yearbook, 2024) mostram que o prémio de risco histórico das ações (o retorno adicional exigido face a ativos seguros) é de cerca de 4,4 % nos EUA, mas apenas 3,2 % na Europa Ocidental. Esta diferença traduz uma perceção estruturalmente maior de risco e menor dinamismo nos mercados europeus, marcados por fragmentação regulatória e liquidez reduzida. O resultado é um custo de capital superior e menor incentivo à emissão de ações.
A estrutura empresarial reforça a divergência. Nos EUA, as maiores empresas mudam de rosto a cada década, das industriais às tecnológicas, refletindo inovação e destruição criativa. Na Europa, a lista é quase imutável: Shell, TotalEnergies, Siemens, Nestlé ou Unilever dominam o topo há décadas. Esta estabilidade revela solidez, mas denuncia um ecossistema menos propício à renovação.
O contraste é visível também nos IPOs. Segundo a EY e a PwC, os EUA registaram 109 operações de entrada no mercado de capitais no primeiro semestre de 2025, captando mais de 25 mil milhões de dólares; toda a Europa somou cerca de 50, no valor de 5,9 mil milhões. Enquanto a forte liquidez dos mercados e a confiança institucional americanas tornam a entrada em bolsa uma via natural de crescimento; na Europa, o financiamento continua muito dependente da banca.
O sucesso do SIA dependerá muito mais do que de meros incentivos fiscais (a “vitamina” dos preguiçosos dos processos de mudança com sentido, na minha opinião). Exigirá simplicidade, transparência e confiança: três atributos ainda infelizmente escassos nos mercados europeus. A literacia financeira é essencial: sem compreender o risco, o pequeno investidor continuará a evitá-lo.
A Europa já não tem o luxo de adiar esta transformação. A estagnação prolongada e a perda de competitividade face aos Estados Unidos e à Ásia mostram que a dependência da dívida e da poupança inativa se tornou insustentável. Converter a poupança em investimento produtivo não é apenas uma boa política económica, é atualmente uma condição de sobrevivência. Se a Europa quer voltar a crescer, inovar e financiar o seu próprio futuro, tem de o começar a fazer desde já.
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