A infertilidade não se “joga” no banco ou pelo seguro
Cláudia Vieira, presidente da Associação Portuguesa de Fertilidade, faz notar o paradoxo do pouco interesse do Estado, dos bancos e das seguradoras numa sociedade com um problema demográfico extremo.
Recurso ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), sob critérios de acesso rigorosos, ajuda financeira de família ou amigos, contração de empréstimos… A procura de soluções para ter filhos quando há um diagnóstico de infertilidade passa por, pelo menos, um destes caminhos. E quem não tem capacidade financeira para contornar o problema que representa ter a porta do SNS fechada ao sonho vê o problema emocional adensar-se e dependente de muitos cálculos para tentar, nem que seja uma única vez.
Seja por se terem esgotado as hipóteses de tratamentos comparticipados, ou a idade da mulher ultrapassou o limite para ter acesso a técnicas de Procriação Medicamente Assistida (PMA), os casais que acabam excluídos pelo SNS procuram alternativas entre entidades de saúde e financeiras. Para os que têm condições económicas, a resposta pode estar imediatamente numa clínica de fertilidade privada. Para os restantes, tentar ultrapassar um problema de saúde cujo plano B passa pelo pagamento de uma fatura demasiado elevada. É uma solução que fragiliza ainda mais uma família que conta os dias para crescer, por vezes, há vários anos.
Sendo que a taxa de natalidade está longe de atingir os níveis necessários para inverter a tendência de envelhecimento da população, seria de esperar que existissem respostas para estes cidadãos. Porém, a realidade é que não existem apoios estatais ou serviços de proteção à saúde que contemplem tratamentos, exames e análises de fertilidade, sem imposições de clínicas e prémios elevados.
A realidade partilhada com a Associação Portuguesa de Fertilidade é devastadora. O número dos casais que contraem empréstimos é elevado, muitos recorrem à ajuda de pessoas próximas e outras tentam saber junto das suas seguradoras onde podem ter comparticipações, sem ouvirem o que precisam.
quando se questiona as seguradoras, são raros os casos em que tratamentos de fertilidade ou exames associados são abrangidos nos planos de saúde. Tudo o que saia das áreas da Ginecologia ou Urologia é dificilmente contemplado com reduções de valores junto de parceiros
As entidades bancárias desenham planos para alguns dos passos mais importantes na vida das pessoas, mas não estão interessadas em assinar contratos quando se trata de criar vida. Os empréstimos são contraídos, sim, mas sob outras designações, com outras agravantes. E, quando se questiona as seguradoras, são raros os casos em que tratamentos de fertilidade ou exames associados são abrangidos nos planos de saúde. Tudo o que saia das áreas da Ginecologia ou Urologia é dificilmente contemplado com reduções de valores junto de parceiros.
No SNS, o investimento do Estado continua sem aligeirar os graves problemas das listas de espera e dos limitados recursos humanos nos centros de PMA.
Faz sentido questionar: será que ter filhos com a ajuda da medicina e da ciência é apenas acessível a quem tem uma boa saúde financeira? Ter um filho, que não chega por limitações de saúde, do homem, da mulher, de ambos, pode ser tratado como algo acessório?
“Preciso de ajuda para ter um filho!” não merece como resposta que tudo depende de taxas de juro, capacidade para esforços financeiros, períodos de carência. Sim, se há um serviço prestado, este deve ser pago, mas no sentido de serem soluções que não constranjam ou dificultem uma jornada por si só dolorosa.
Enquanto não houver vontade política e social para entender a racionalidade económica do apoio à PMA em toda a sua dimensão e para assumir que estamos perante a negação de um direito à saúde reprodutiva, continuaremos a assistir a muitas famílias com sonhos adiados ou mesmo nunca alcançáveis.
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