A inversão do alerta

  • Steven Braekeveldt
  • 14:54

Steven Braekeveldt, que esteve oito anos à frente da Ageas em Portugal, anda agora pelo mundo, dá conferências, aconselha top managers mundiais. Explica como há pouco tempo ficou chocado e preocupado.

Em muitas ocasiões, durante debates públicos, quando os organizadores queriam alguém no painel capaz de lançar uma luz não ortodoxa e fora do comum sobre um tema, recebia um telefonema a convidar-me a participar. E, claro, lisonjeado pelo apelo ao meu ego, aceitava e desempenhava o papel esperado de mim. Para muitos na plateia, as minhas reflexões serviam como um alerta — uma wake-up call para caminhos que nunca tinham pensado percorrer, ideias que de outro modo teriam ficado atrás de portas fechadas, perceções que, por vezes, até os chocavam.

Mas, recentemente, durante uma intervenção perante uma audiência que considerava altamente inteligente, aconteceu algo inesperado: recebi uma wake-up call precisamente no momento em que pretendia dar uma a eles. Saí da sala abalado.

Passaram-se semanas e ainda estou a processar o choque. Culpo-me por não ter conseguido compreender a Weltanschauung — a visão de mundo — de uma audiência muito mais jovem do que eu. Falei a partir de pressupostos que se revelaram completamente errados. Não só não receberam a minha mensagem como um alerta; não conseguiram sequer situá-la dentro do seu próprio referencial.

Eu explico.

Primeiro, a audiência tinha vinte a trinta anos a menos do que eu. Presumi que o seu pensamento estaria muito à frente do das suas hierarquias mais velhas. Pressuposto errado.

Segundo, acreditei que, face às notícias diárias sobre secas, cheias, incêndios, doenças, aquecimento global e migração, eles não tomariam mais como garantido o modelo económico atual. Outro pressuposto errado.

Terceiro, dei como garantido que conceitos como economia regenerativa, pensamento sistémico, mapeamento de sistemas, P&L ambiental e eco-criminalidade lhes seriam familiares. Errado novamente.

Quarto, presumi que a geração mais jovem seria menos orientada para o curto prazo e mais visionária —mais focada no bem-estar a longo prazo das pessoas, da sociedade e do planeta. Mais um pressuposto incorreto.

Enquanto esperava que vissem o que eu estava a ver, percebi de repente que estava cego ao que eles estavam a ver. A distância entre nós parecia tão vasta quanto o Grand Canyon. Saí da sala chocado e profundamente preocupado com o nosso futuro.

Estava convencido de que concordariam que, nos próximos trinta anos das suas carreiras, os seus KPI incluiriam cuidar do planeta. Acreditava que abraçariam a ideia de construir uma economia fundamentada no cuidado e no amor — cuidado pelos futuros netos e pelo mundo que irão herdar. Estava errado em todos os pontos.

E assim, hoje, semanas depois, estou certo de que o meu caminho a seguir deve ser de explicação mais clara. Preciso guiá-los, passo a passo, pelo que está a acontecer à sua volta. Preciso mostrar que é perfeitamente possível gerar lucros saudáveis enquanto regeneramos e rejuvenescemos o planeta, cuidando do futuro das nossas gerações.

Terei de me erguer com mais firmeza, falar com mais coragem — gritar se for necessário — e estender a mão para que mais pessoas vejam que uma economia diferente não é só possível, é necessária.

Foi uma experiência rara — que agora chamo de o despertar invertido.

  • Steven Braekeveldt
  • Conferencista Internacional, Escritor, Ex-CEO do Grupo Ageas Portugal

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