A má gestão da dívida pública sai cara

Não se deve recorrer a um instrumento inadequado para implementar políticas económicas, especialmente quando este instrumento toca numa questão tão sensível como a gestão da dívida pública.

Em Janeiro de 1973, a França lançou emitiu um dos títulos de dívida mais famosos de sempre: os Giscards, cujo pagamento estava ligado ao valor do ouro. A intenção era boa. Este produto protegia as poupanças da inflação. No entanto, com o colapso de Bretton Woods dois meses depois, o preço do ouro disparou e o valor destes títulos de dívida alcançou um montante nove vezes superior ao valor de emissão. Este episódio foi mais tarde imortalizado num romance, “A Fogueira das Vaidades”, escrito por Tom Wolfe. A história está repleta de exemplos em que a má gestão da dívida pública acaba por sair cara.

No último fim-de-semana, o Governo lançou a série F dos Certificados de Aforro que reduz o tecto das taxas de juro brutas em um ponto percentual.

Os Certificados de Aforro série E eram caros. Não é óbvio comparar com outros tipos de dívida portuguesa. São mercados diferentes. Porém, não faz sentido ignorar a corrida na procura pelos certificados. Quando a procura é alta, o preço aumenta, ou no caso dos Certificados de Aforro, os juros diminuem. Nem sequer é a primeira vez que isto acontece. Por exemplo, em Fevereiro de 2015, após uns meses de emissão elevada, os juros dos Certificados de Aforro (e do Tesouro) desceram substancialmente (os picos nos gráficos mostram revisões de termos).

O Estado deve financiar-se ao menor custo possível, mantendo um perfil de risco adequado. Isso requer emissões e pagamentos de dívida fáceis de prever. O ideal é que a gestão da dívida pública seja o mais aborrecida possível, sem corridas para vender ou comprar dívida. Nos certificados, quem decide quanto é emitido são os credores (há um limite que já foi aumentado, e teria de ser aumentado outra vez em breve). Face às emissões recorde, dois leilões de obrigações do tesouro foram recentemente cancelados. Os credores decidem também a maturidade quando querem resgatar os certificados, o que cria o risco duma corrida em sentido contrário.

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Há quem defenda que os Certificados Série E incentivavam a poupança e faziam concorrência aos bancos. Mas se a procura provém dos depósitos (e dos certificados de tesouro entretanto amortizados), não estamos necessariamente a incentivar a poupança, mas apenas a pagar mais juros pela mesma poupança. Embora a falta de concorrência no sector bancário seja um assunto sério, existem outros instrumentos mais directos para resolver esse problema – incluindo um banco público. Não sabemos sequer o impacto dos Certificados Série E na poupança total, nem na concorrência aos bancos, considerando que tanto a poupança como as taxas de juro dos depósitos em Portugal continuam baixas.

Se o objectivo é informar a população sobre os retornos da poupança, podemos fazer intervenções directas sem subsidiarmos com juros altos quem não precisa do incentivo. Por exemplo, podemos seguir o exemplo da Singapura no início dos anos 2000, que distribuiu certificados de forma direccionados em vez de outras transferências do Estado. Os certificados podem ser liquidados, mas as famílias teriam de reflectir sobre a poupança.

Estes problemas são importantes e as políticas públicas deviam oferecer soluções. Contudo, face ao aumento da procura, faz todo o sentido reduzir os juros dos Certificados de Aforro. Trata-se de uma dívida cara, cujos pagamentos e maturidade são mais difíceis de prever que outras formas de dívida. Estimar as necessidades de financiamento do Estado torna-se mais complicado, deixando-nos mais susceptíveis a surpresas como ocorreu no caso dos Giscards em França.

Acima de tudo, não se deve recorrer a um instrumento inadequado para implementar políticas económicas, especialmente quando este instrumento toca numa questão tão sensível como a gestão da dívida pública.

  • Professor de Economia Internacional na ESCP Business School

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