A propósito das mais recentes propostas de alteração fiscal

  • Rogério Fernandes Ferreira
  • 25 Outubro 2023

Embora uma reforma do sistema fiscal requeira tempo e reflexão e não se deva concretizar a meio de um ano orçamental, é possível desencadear, mesmo em momento de inflação, algumas outras alterações.

Em virtude das medidas de reforma fiscal recentemente propostas pelo PSD, foi aberta a discussão acerca da viabilidade, da coerência e do resultado efetivo que essas medidas podem promover no dia-a-dia das pessoas e no das contas do Estado. Mas o certo é que as reformas fiscais, dignas desse nome, enquanto alterações estruturais, têm surgido de 30 em 30 anos, pelo que, tendo a última sido introduzida em 1989, no âmbito da tributação direta e ao nível do IRC e do IRC (pelo Professor Pitta e Cunha), estamos em tempo adequado para pensar no que deve ser alterado.

As medidas ora propostas foram, em suma, cinco: a diminuição imediata do IRS, a redução da taxa de IRS aplicável aos jovens até aos 35 anos, a atualização dos escalões de IRS tendo por referência a taxa de inflação e a isenção de IRS e de contribuições para segurança social a título de desempenho e produtividade. Todas estas medidas se destinam a aliviar a carga tributária sobre os contribuintes individuais e sem provocar impacto orçamental, em função de um alegado excesso da receita fiscal cobrada pelo Estado em relação ao inicialmente previsto no Orçamento de Estado para este ano.

De uma forma geral, fica esquecido que estas medidas requerem tempo de análise e reflexão e de projeções fidedignas de receita que dificilmente se fazem de repente, e com pressa, ou quando não se percebem todas as suas implicações, num sistema que deve ser bem mais coerente, e justo. Adicionalmente, no que diz respeito ao desempenho e à produtividade, haverá certamente outras medidas (não fiscais) a ponderar mais urgentemente, e a preocupação de que a isenção fiscal proposta sobre tais prémios pode levar à substituição pelos mesmos dos aumentos na remuneração-base (assim evitando tributação) sendo de relevo notar que os aumentos nessa remuneração-base são permanentes e exercem influência sobre a pensão futura e o montante das prestações sociais.

Para essa justiça fiscal, seria também mais premente proceder à realização de uma revisão global dos benefícios fiscais, com base em critérios de custo-benefício e de finalidade, sendo que, ao conseguir ampliar a base tributária por meio de uma reavaliação, isso deveria traduzir-se, não no aumento da receita fiscal, mas na correspondente diminuição das taxas do imposto, com o objetivo de, pelo menos, não aumentar a receita fiscal global.

Antes de qualquer outra consideração, era ainda importante lembrar que a assembleia da república não governa, só fiscaliza a execução orçamental, e que existem mecanismos constitucionais, como a lei-travão, que proíbem os deputados de aprovar medidas que afetem negativamente as receitas ou que aumentem as despesas e, assim, que se desviem do equilíbrio orçamental inicialmente aprovado sem que o governo o proponha. Portanto, é essencial pensar cuidadosamente nessas propostas para garantir a sua viabilidade constitucional.

Por outro lado, importa notar que estamos, ainda, em desaceleração inflacionária e que talvez seja conveniente coordenar esse tempo de análise e de reflexão com a necessidade de se adiarem tais medidas (sobre o IRS), mesmo que justas, para os próximos anos, aproveitando esse alegado excedente orçamental para diminuir a dívida pública e criar, assim, as condições necessárias para reduzir as despesas com os juros dos empréstimos (e, só depois, diminuir o imposto).

Além disso, existem outras medidas a propor, ao nível das empresas, como a eliminação das contribuições financeiras extraordinárias que pululam sobre diversos setores específicos, fundadas em externalidades negativas que não se justificam, ou já não se verificam

Mas o que se exige, neste momento, mercê de crescente informatização do sistema e dos procedimentos fiscais e de uma legislação prolixa e incoerente, é rever as garantias e os direitos dos contribuintes, no sentido de estabilizar a legislação aplicável ainda resultante do Código de Processo Tributário (de 1991) e de eliminar alguns custos de contexto e, talvez mesmo, promover a criação de um provedor fiscal, um novo defensor do contribuinte, diverso do atual provedor de justiça e independente do subdiretor-geral para a área da relação com o contribuinte da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Em suma, embora uma (necessária) reforma do sistema fiscal requeira tempo e requeira reflexão e não se deva concretizar a meio de um ano orçamental, é possível desencadear, mesmo em momento de inflação, algumas outras alterações fiscais importantes.

  • Rogério Fernandes Ferreira
  • Sócio fundador da RFF Advogados

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