Editorial

A TAP, quinta-feira e outros dias

Marcelo vetou o decreto-lei de privatização da TAP, uma humilhação para Costa. Afinal, de que falam os dois na audiência semanal em Belém?

Corria o ano de 2017, mês de fevereiro, quando Aníbal Cavaco Silva apresentou o livro “Quinta-feira e outros dias” sobre a os dois mandatos presidenciais, uma prestação de contas que tinha no título o dia da semana em que o Presidente da República recebe o primeiro-ministro em Belém para a audiência semanal regular. O veto político de Marcelo Rebelo de Sousa ao decreto-lei de reprivatização da TAP, nos termos em que foi escrito e com as dúvidas suscitadas, é a confirmação definitiva, para quem tivesse dúvidas, do desencontro entre com António Costa, e de que as audiências semanais em Belém são uma farsa e não servem para nada.

Comecemos pela operação de reprivatização da TAP, propriamente dita. A decisão do Presidente da República apanhou quase todos de surpresa, mas na verdade já se começava a estranhar a demora na promulgação do decreto-lei (que, de resto, não é público). Ainda assim, os pontos evocados por Marcelo são pertinentes. Os três e, especialmente, o terceiro, porque sugere um caderno de encargos feito à medida do vencedor que o Governo quer.

  1. O primeiro é a “futura efetiva capacidade de acompanhamento e intervenção do Estado numa empresa estratégica, como a TAP, já que, admitindo-se a venda de qualquer percentagem acima de 51%, não se prevê ou permite, expressamente, em decisões administrativas posteriores, qualquer papel para o Estado”.
  2. Marcelo Rebelo de Sousa questiona também o facto de o diploma “admitir que a TAP possa alienar ou adquirir, antes mesmo da decisão de venda, quaisquer tipos de ativos, sem outra mínima precisão ou critério, o que vai muito para além da projetada integração da Portugália na TAP SA”.
  3. O Presidente da República aponta ainda “a questão de não assegurar a total transparência, numa fase de contactos anteriores à elaboração do caderno de encargos, ou seja, das regras que nortearão a escolha de eventual comprador, no mínimo tornando claro que não serão negociações vinculativas e que desses contactos ficará registo, fundamental para garantir a prova da cabal isenção dos procedimentos, se for levantada, em momento ulterior, a questão da acima mencionada transparência do processo e da escolha do comprador”.

Nenhum dos pontos é inultrapassável, portanto, não serão suficientes para pôr em causa a operação de reprivatização, mas são um vexame, uma humilhação para o Governo e particularmente para António Costa. Marcelo, claro, não perdoa, não perdoará a resposta do primeiro-ministro ao caso Galamba, mas admitia-se que, institucionalmente, o Governo e a Presidência da República tivessem uma relação normalizada. Não têm, porque qualquer destes três pontos poderia e deveria ter sido esclarecido antes de se chegar a um veto político.

Pelos vistos, as reuniões de quinta-feira servem para pouco, não servem para discutir o que é o dossiê politicamente mais importante da governação. O veto de Marcelo à primeira decisão política do Governo para suportar o processo de reprivatização da companhia aérea dá uma péssima imagem da forma como Costa está a conduzir o processo, não deixa Fernando Medina e João Galamba bem na fotografia e é mais um episódio que mostra, em definitivo, que a cooperação institucional passou a oposição institucional.

 

 

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