AI²: Uma oportunidade rara para recentrar o sistema científico e tecnológico português
Portugal pode agora dar um salto qualitativo determinante para o futuro do seu desenvolvimento económico e social. Mas, quais são os riscos e oportunidades para as empresas?
A fusão entre a Fundação para a Ciência e a Tecnologia e a Agência Nacional de Inovação representa mais do que um ajustamento institucional. É uma decisão estratégica que procura ultrapassar a fragmentação histórica entre a produção científica e a inovação empresarial, propondo uma nova arquitetura para o sistema científico e tecnológico português. Durante décadas, ciência e inovação evoluíram em paralelo, com contributos valiosos, mas nem sempre com a articulação necessária para gerar impacto económico e social proporcional ao talento e ao investimento existente. A AI² surge para corrigir essa distância e criar uma narrativa integrada, capaz de unir investigação, tecnologia e mercado num percurso contínuo e coerente.
A ambição é clara e necessária: alinhar prioridades, gerar maior estabilidade no financiamento, aproximar investigadores de empresas e criar condições para que o conhecimento circule mais rapidamente. Se for bem-sucedida, esta integração pode tornar o país mais competitivo e aumentar a capacidade de captar investimento internacional, participar em grandes consórcios e transformar ciência em produtos, serviços e soluções com valor económico. Contudo, qualquer transformação estrutural traz consigo riscos que devem ser reconhecidos e geridos com cuidado. A transição para a nova agência pode gerar momentos de incerteza, introduzir alterações nos calendários dos concursos e obrigar a adaptações nos critérios de avaliação. Processos de fusão institucional exigem tempo para consolidar equipas, definir fluxos de decisão e harmonizar procedimentos, e esse tempo pode provocar atrasos ou indefinições que impactam diretamente os projetos em curso.
Para as empresas, estes riscos são reais e têm consequências práticas. Fases de transição podem significar adiamentos na publicação de avisos, revisões nos regulamentos, reavaliação de prioridades temáticas e ajustes nos requisitos de elegibilidade. Projetos que se encontram em fase de preparação podem precisar de ser adaptados à nova narrativa de integração entre ciência e inovação, enquanto iniciativas já submetidas ou em avaliação poderão enfrentar tempos de resposta mais longos. A incerteza, quando não é acompanhada de comunicação clara e previsível, tende a penalizar sobretudo quem está a planear investimentos de I&D e depende de calendários estáveis para avançar com contratações, parcerias e compromissos financeiros.
Mas é precisamente neste ponto que se encontram também as oportunidades, e elas são bastante significativas. A criação da AI² permite às empresas reposicionar-se de forma estratégica. Ao aproximar ciência e mercado, o novo modelo favorece projetos mais colaborativos, mais ambiciosos e com maior potencial de impacto. Empresas que reforcem parcerias com universidades, laboratórios e centros tecnológicos poderão beneficiar de uma visão mais integrada do ciclo de inovação e aceder a mecanismos de financiamento que valorizem a articulação entre conhecimento científico e aplicação industrial. A consolidação institucional poderá igualmente reduzir redundâncias, simplificar processos e tornar as regras mais claras e previsíveis, permitindo que a energia antes dedicada à gestão administrativa seja investida na qualidade dos projetos. Além disso, o alinhamento entre investigação e inovação favorece áreas emergentes como a transição digital, a inteligência artificial, a biotecnologia, os materiais avançados ou as tecnologias industriais, onde Portugal pode ganhar vantagem competitiva se souber unir competências científicas de excelência com capacidade empresarial.
Este é, por isso, um momento para agir com atenção, mas também com visão de médio e longo prazo. As empresas devem olhar para esta transição não apenas como um período de adaptação, mas como um convite a reposicionar o seu investimento em I&D, a revisitar estratégias de inovação e a reforçar a cooperação com o sistema científico. Uma estratégia bem ajustada durante esta fase pode traduzir-se em vantagem competitiva num cenário pós-transição mais estável e mais favorável à integração entre ciência e mercado.
A AI² tem potencial para fortalecer o sistema português de I&D, mas também com a consciência de que o sucesso desta transformação depende de clareza estratégica, continuidade operacional e capacidade de gestão da mudança. O nosso papel é garantir que empresas e instituições não perdem tração durante a transição e que cada projeto mantenha estabilidade e direção, mesmo num período de reorganização institucional.
A criação da AI² deve ser vista como o início de um ciclo que pode redefinir a forma como Portugal encara a ciência e a inovação. Se for concretizada com rigor, ambição e diálogo com o ecossistema, esta nova agência permitirá ao país aproximar-se dos melhores modelos internacionais e transformar a sua capacidade científica num verdadeiro motor de desenvolvimento económico e social. É uma oportunidade rara, uma que o país não deve permitir que escape.
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