Algumas ideias sobre o financiamento de clubes de futebol a partir das lições de Sir Bobby Charlton

  • Manuel Cordeiro Ferreira
  • 9:41

O acesso a capital privado poderá ajudar clubes grandes e pequenos a diversificar fontes de receita e potenciar o seu crescimento, muito para além do modelo de abertura de capital.

“O segredo do futebol é fazer as coisas simples extremamente bem”. Durante décadas atribui esta frase a Sir Bobby Charlton, lenda do futebol inglês. Como jogador amador devo tê-la repetido inúmeras vezes a amigos, colegas de equipa e talvez aos meus filhos.

Descobri recentemente que esta citação não é dele e, aparentemente, nem sequer existe, ou pelo menos não existe com esta formulação. Parece ser uma variante da citação clássica do Johann Cruyff – “jogar futebol é simples, mas jogar futebol simples é a coisa mais difícil que existe” –, variante inventada (por mim?) em tempos idos. Uma prova de que não é só a IA que alucina.

Apesar de apócrifa, creio que esta máxima revela uma verdade sobre o jogo de futebol. Por contraste, fez-me pensar nas dificuldades de gestão de um clube de futebol.

Os clubes são, na sua maioria, empresas: organizações de meios destinadas a prestar um serviço de forma contínua e com um propósito lucrativo. As especificidades estão na natureza do “serviço”: o espetáculo desportivo, tão dependente da proverbial “bola que entra ou bate na trave”; e os “utilizadores”, os adeptos, cujas decisões de “consumo” são eminentemente emocionais.

Estas especificidades trazem dificuldades, criando uma pressão e tentação consideráveis de “gerir para a bancada”.

Apesar desta tensão, os clubes têm vindo a investir em estruturas mais profissionais, com foco numa gestão financeira sustentada – é uma questão de sobrevivência.

Por um lado, aumentaram as exigências regulamentares (o chamado “fair play financeiro”), impostas pela UEFA, a nível europeu, e pelas ligas nacionais, em Inglaterra, Espanha e França, por exemplo, com configurações distintas. A breve trecho, incluir-se-á aqui a Liga Portuguesa (LPFP), que já anunciou a intenção de aprovar um regulamento de controlo económico. Por outro lado, há uma enorme pressão para investir em plantéis competitivos doméstica e internacionalmente.

Veja-se o mais recente estudo Deloitte Football Money League, publicado em janeiro de 2025 (época 2023-2024), por oposição aos resultados das sociedades anónimas desportivas (SAD) de Sporting, Benfica e FC Porto.

Apesar da evolução, a receita operacional (sem vendas de jogadores) dos três grandes portugueses ainda está aquém da dos principais clubes europeus. O Benfica (€224M de receita em 2023-2024) está no Top 30 mas o Sporting (€100M) e FC Porto (€90M) estão muito atrás. O Real Madrid já superou os mil milhões e o Top 20 é encerrado pelo Olympique Lyonnais, que gerou €264M de receita.

Para além do lastro da dívida – no final da época de 2024, FC Porto (€250M), Benfica (€210M) e Sporting (€150M) acumulam valores muito consideráveis, sobretudo se comparados com os volumes de negócio e resultados operacionais (dados públicos dos R&Cs das SADs e do Anuário da LPFP preparado pela EY) –, a dimensão e poder de compra do mercado nacional colocam sérios obstáculos ao crescimento dos clubes portugueses. Como aumentar as receitas? Como alavancar esse crescimento sem depender de a bola entrar na baliza?

Os dados públicos reforçam a dependência das receitas geradas com a venda de jogadores, mas também evidenciam a necessidade de repensar a gestão comercial, operacional e financeira dos clubes. Recorrendo à categorização de receitas operacionais proposta pela Deloitte, o enfoque deve ser – e já está a ser – triplo:

Broadcast (direitos de transmissão televisiva e multimédia): Foi já apresentada a proposta de modelo de centralização destes direitos em Portugal, por exigência legal. Um possível modelo seria aquele que, para além de assegurar a venda centralizada destes direitos através de um veículo, permitiria a abertura do capital deste veículo a investidores, como sucedeu em Espanha. Este modelo permitiria antecipar receita futura para os clubes e ajudá-los-ia, em coordenação com a LPFP, a potenciar o valor dos direitos.

À luz da experiência recente (v. fracasso da venda à DAZN em França, e a dificuldade em vender os direitos do Mundial de Clubes da FIFA), não devemos esperar que os três grandes tenham maior retorno que o dos contratos atuais. Ainda assim, a redistribuição poderá promover maior competitividade doméstica e, portanto, um melhor espetáculo, incrementando outras receitas.

Commercial (receitas comerciais): Aumento de receitas com patrocínios, merchandising e exploração de infraestruturas. Aqui está o maior potencial de crescimento, que já começou a ser explorado. Vejam-se os acordos firmados pelo Real Madrid para explorar o renovado Estádio Santiago Bernabéu e pelo Barcelona para financiar a renovação do Camp Nou e a construção do Espai Barça.

O FC Porto seguiu o exemplo do Real Madrid e celebrou com a Ithaka um acordo de exploração do Estádio do Dragão por 25 anos, avaliado em €200M, que permitiu ao FC Porto receber €65M.

O Sporting parece seguir o modelo do Barcelona. Acordou a reaquisição do Centro Comercial Alvaláxia, integrado no Estádio José Alvalade, e prepara o spin-off do negócio de exploração do Estádio. A nova entidade financiará a sua atividade através de um financiamento de €100M.

Sobra o Benfica. O propalado “Benfica District” parece existir ainda apenas no papel, mas o objetivo é claro e a implementação poderá adotar diferentes modelos.

Matchday (eventos): Por fim, o incremento das receitas geradas com espetáculos (desportivos e não só), incluindo bilheteira, receitas de concessão, entre outros. O Sporting CP e o SL Benfica estão neste momento a ampliar a capacidade dos respetivos estádios, aproveitando para requalificar a oferta de lugares e promover outras medidas de atração comercial. O crescimento destas receitas alavancará também as receitas comerciais.

O acesso a capital privado poderá ajudar clubes grandes e pequenos a diversificar fontes de receita e potenciar o seu crescimento, muito para além do modelo de abertura de capital, que tantos problemas tem gerado e tantas dúvidas levanta.

Na essência deste desafio financeiro continuará a estar o objetivo de promover um bom espetáculo desportivo, que atraia e envolva os adeptos. Como nos disse (agora sim!) Sir Bobby Charlton, “na amplitude do seu apelo, na sua capacidade de tocar todos os cantos da humanidade, o futebol é o único jogo que precisava de ser inventado”. É este apelo e esta capacidade que fizeram do futebol o desporto-rei, o único desporto verdadeiramente global. Esperamos que os clubes o saibam aproveitar.

 

  • Manuel Cordeiro Ferreira
  • Sócio da área de Mercado de Capitais da Pérez-Llorca

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