Alienação do quinhão hereditário e IRS: Quando a jurisprudência desafia a administração fiscal

  • Manuel César Machado
  • 9:05

Conflito entre a doutrina administrativa da AT e a jurisprudência do STA sobre a tributação da alienação de quinhões hereditários põe em evidência a tensão entre segurança jurídica e coerência fiscal.

A tributação das mais-valias resultantes da alienação do quinhão hereditário voltou recentemente ao centro do debate jurídico-fiscal, em virtude de decisões judiciais relevantes que colidem com a posição ainda sustentada pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT). A Informação Vinculativa n.º 27683, de 12 de maio de 2025, é exemplo disso mesmo: nela se reafirma a tributação em sede de IRS das mais-valias apuradas com a transmissão de quinhão hereditário, mesmo antes da partilha.

O Enquadramento da AT

Na referida informação vinculativa, a AT reitera que a alienação da quota-parte do património imobiliário incluído numa herança indivisa consubstancia uma alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis. Por conseguinte, considera que os ganhos obtidos com essa alienação estão sujeitos a IRS, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS (CIRS).

Segundo a AT:

  • O herdeiro detém, ainda que de forma ideal, uma quota-parte do património hereditário;
  • A alienação dessa posição implica a transmissão onerosa de uma fração do direito sobre os bens imóveis da herança;
  • Esta transmissão, para além de sujeita a IMT (nos termos do artigo 2.º, n.º 5, alínea c), do CIMT), origina igualmente um facto gerador de tributação em sede de IRS.

A Jurisprudência em Sentido Contrário

Contudo, este entendimento colide com o posicionamento que vem sendo consolidado na jurisprudência administrativa e arbitral. O ponto de viragem deu-se com o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29 de abril de 2025 (Proc. n.º 01204/22.7BALSB), que uniformiza a jurisprudência no sentido de excluir a incidência de IRS na alienação de quinhões hereditários indivisos.

O STA considera que:

  • O quinhão hereditário constitui um direito ideal e abstrato sobre a herança global, e não um direito real concreto sobre bens imóveis determinados;
  • A transmissão desse direito não equivale a uma alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis;
  • Por conseguinte, a operação não integra o conceito de “mais-valia imobiliária” previsto no artigo 10.º do CIRS.

Conflito Interpretativo: AT vs. STA

Este confronto entre a posição administrativa e a jurisprudência tem importantes consequências práticas:

  • Segurança Jurídica: A posição divergente da AT cria incerteza para os contribuintes, mesmo após a existência de jurisprudência uniformizadora.
  • Risco de Litígios: A manutenção da doutrina administrativa aumenta a probabilidade de litígios tributários, especialmente quando a AT procede a liquidações com base no seu entendimento restritivo.
  • Possibilidade de Reclamação ou Impugnação: Herdeiros que alienem o seu quinhão hereditário podem vir a invocar a jurisprudência do STA para contrariar liquidações de IRS fundadas na interpretação administrativa.

Considerações Finais

O conflito entre a doutrina administrativa da AT e a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre a tributação da alienação de quinhões hereditários põe em evidência a tensão entre segurança jurídica e coerência fiscal. Até que haja uma alteração legislativa ou um alinhamento institucional claro, recomenda-se especial cautela na preparação e formalização de negócios sobre quinhões hereditários, bem como na sua análise fiscal.

Em casos de divergência com a AT, a jurisprudência atual oferece argumentos sólidos para sustentar uma defesa eficaz dos interesses do contribuinte.

  • Manuel César Machado
  • Associado da Dower Law Firm

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