Apologia de um (outro) Banco de Fomento
Há também que reconhecer que a estratégia recentemente seguida de desenvolvimento de uma atividade retalhista, autocéfala, privilegiando a oferta em condições de mercado em busca de receita mercantil.
Portugal precisa de uma instituição financeira de desenvolvimento, sim.
Os agentes económicos têm relutância em financiar grandes transições sociais, como a inovação, a transição climática ou a transição digital, áreas em que a União Europeia quer ser líder mundial. Eles têm dificuldade em lidar com as principais incertezas nas áreas de política e tecnologia, a multitude de partes interessadas e a fragmentação de iniciativas com custos de aprendizagem e transação relativamente altos. Para financiar grandes transições sociais, é necessário um agente que esteja preparado para assumir riscos relativamente altos, que possa lidar com prazos relativamente longos e que trabalhe com capital público – para que o próprio Governo também tenha interesse no sucesso dessas transições.
A autorização concedida no ato da criação do atual Banco Português de Fomento (BPF) refere que este deve atuar como um impact investor, isto é, deve também levar em consideração os retornos sociais mais amplos, potencialmente às custas dos retornos financeiros.
A principal justificação económica para a atuação de uma instituição financeira de desenvolvimento (ou banco promocional) é suprir falhas de mercado. Em Portugal há uma escassez de capital privado para investimento de longo prazo que se deve à pouca expressão dos fundos privados de pensões, à gestão de reservas das seguradoras feita em centros de decisão fora de Portugal e às limitações impostas ao setor bancário para tomada de risco e investimento em instrumentos de capital.
Pergunte-se aos operadores de capital de risco e aos business angels quantos teriam iniciado atividade sem as parcerias com a PME Investimentos, com a Instituição Financeira de Desenvolvimento e com o Banco de Fomento?
Pergunte-se aos empresários: a Banca Comercial financia atividades sem um histórico de geração de cash-flow? Aprova operações de crédito para aquisição de participações financeiras necessárias para o aumento de escala? Aprova operações de crédito a projetos com payback superior a 7 anos? Oferece instrumentos de financiamento subordinado ou não colateralizado?
A missão pública do Banco de Fomento permite-lhe administrar recursos públicos nacionais afetos à política pública e fundos europeus dirigidos às empresas, beneficiar de garantias da União Europeia (caso do InvestEU), do BEI ou do Fundo Europeu de Investimento e os avales do Estado Português ao Fundo de Contragarantia Mútua permitem oferecer soluções de partilha de risco com os agentes privados.
A garantia implícita de Estado permite ao Banco de Fomento aceder a financiamento de muito longo prazo junto de instituições multilaterais internacionais (caso do BEI) a prazos muito longos e a preços muito competitivos.
O BPF não é um Banco. É uma sociedade financeira pertencente ao Setor Empresarial do Estado.
Importa desligar as operações realizadas no balanço do BPF das operações realizadas fora de balanço, pelos Fundos por este geridos em que é tão somente a entidade gestora (Fundo de Contragarantia Mútua, diversos Fundos dotados com recursos nacionais e europeus); participadas como as Sociedades de Garantia Mútua, a Portugal Ventures, a SOFID e a projetada Agência de Crédito à Exportação.
Esta distinção permitirá o desbloqueamento da capacidade de resposta do Banco, segregando as atividades sujeitas a supervisão do Banco de Portugal ou da CMVM (Portugal Ventures) de outras atividades não sujeitas a supervisão (gestão de Fundos Públicos).
Há também que reconhecer que a estratégia recentemente seguida de desenvolvimento de uma atividade retalhista, autocéfala, privilegiando a oferta em condições de mercado em busca de receita mercantil, está a falhar. São recorrentes as críticas à capacidade desta Instituição dar resposta oportuna aos pedidos diretos de financiamento. Para oferta de crédito em condições de mercado já o Estado dispõe da Caixa Geral de Depósitos.
Deve outrossim seguir um modelo grossista, de parceria e partilha de risco com os operadores privados, aberto às experiências já testadas pelos demais Bancos Promocionais (integrando desejavelmente na sua administração quadros dessas instituições), alavancando auxílios de Estado compatíveis com o mercado único, assente numa estrutura leve, que exige muito menos esforço de contratação pública, transferindo para as participadas com capital privado os serviços de menor valor acrescentado.
A perspetiva de redução dos Fundos Europeus alocados a Portugal nos próximos Quadros Comunitários só pode ser compensada com um maior recurso a instrumentos financeiros, como garantias, cofinanciamentos e coinvestimentos, que mobilizam investimento privado e permitem a reutilização dos fundos públicos em mais do que uma ronda de investimento.
Não admira, pois, que os instrumentos financeiros tenham conquistado uma crescente preferência da Comissão Europeia (Plano Juncker, InvestEU), em tempos de redução do orçamento da União e, com isso, o Grupo BEI e os Bancos de desenvolvimento europeus ganharam um maior espaço de intervenção.
Não há razão para agir contra a corrente. Mas também é desejável introduzir nos seus estatutos uma cláusula de avaliação a cada 10 anos e a sua continuação deve ser justificada com base no cumprimento dos objetivos de política pública.
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