As malas de Mariana Mortágua
Miguel Arruda é (ou era) um deputado do Chega que terá roubado malas em aeroportos, Mariana Mortágua é líder de um partido que despediu funcionárias em licença de maternidade.
O país está entretido com um caso que tem tanto de ridículo como de grotesco, uma certa vergonha alheia perante um deputado do Chega que, todos os dados indicam, furtava malas no aeroporto de Lisboa e depois vendia peças na Vinted, quando, ao mesmo tempo, discute muito pouco uma decisão de uma direção partidária que tem sempre a acusação fácil às empresas e despede funcionárias em período de licença de maternidade. O que é que deveria verdadeiramente incomodar e motivar indignação (em vez do sorriso com desdém)?
Dois casos, dois partidos extremistas, à direita e à esquerda, dois partidos populistas e com um discurso moralista sobre as decisões de terceiros, ambos disponíveis para usar da demagogia mais barata para atacar adversários e transformar pessoas, empresas e setores em inimigos públicos. Dois casos: Um deputado terá roubado malas nos aeroportos de Lisboa e Ponta Delgado, uma direção despede funcionárias porque alega ter menos receitas. Os dois casos põem em causa de forma gritante os ‘princípios’ que pregam, como se fossem padres de uma qualquer missa. Um é um caso isolado de um deputado que é excluído do partido por ser um “bandido”, nas palavras do seu líder, outro é um caso de uma decisão de gestão de uma direção partidária, absolutamente consciente do que estava a fazer. O que é que deveria verdadeiramente incomodar e motivar indignação (em vez do sorriso com desdém)?
Miguel Arruda é deputado do Chega. Ou era, porque passou agora à condição de deputado não-inscrito, independente. Está sob investigação judicial por furto qualificado, que dá pena de prisão até cinco anos, por suspeitas de roubar malas em aeroportos. Os indícios são fortes, há imagens de videovigilância, há relatos no próprio Parlamento de que o deputado utilizaria enormes malas e que terão servido para esconder as que terá roubado. Há até dados que indiciam a venda de produtos na Vinted, uma loja online de produtos em segunda mão. É tudo muito mau. E a entrevista que o deputado deu à TVI é penosa, dá vontade de rir, e de chorar. Um ‘big brother’ em que a realidade ultrapassa a ficção. Alimenta o espetáculo mediático, mas serve até, paradoxalmente, os interesses do Chega, que eleva a parada, e expulsa o deputado que é, afinal, igual a todos os outros. O eleitorado do Chega não deveria gostar.
Mariana Mortágua é líder do Bloco de Esquerda, é uma protagonista do partido há anos. Depois da derrocada eleitoral, as subvenções do Estado caíram a pique, e o Bloco foi obrigado a fazer o que fazem tantos empresários e gestores em momentos de crise, despediu funcionários, cerca de 30 segundo os dados revelados pelo próprio partido. O Observador revela pormenores: “O caso mais complicado é o das duas trabalhadoras dispensadas em 2022, depois da hecatombe eleitoral de março, quando o Bloco de Esquerda perdeu 14 (de 19 para 5) deputados e metade da sua subvenção pública. Nessa altura, o partido decidiu dispensar duas trabalhadoras (uma era mãe há nove meses, outra há dois e ainda estava de licença de maternidade) que cumpriam “comissões de serviço”. Ou seja, tinham contratos específicos, cujas regras não correspondem às dos restantes contratos de trabalho“. Pode até ser legal, mas é imoral, chocante. E nestes dois casos, ainda inventaram contratos fantasmas, talvez para expiar o pecado.
Não haveria problema se o BE não estivesse permanentemente a acusar empresas e gestores de despedirem sem necessidade, por maldade, porque querem viver à custa dos trabalhadores. O Bloco despediu funcionárias, entre as quais quem estava ainda de licença de maternidade. Não é só a contradição política, é uma ruína moral, como afirmou Miguel Morgado na SIC Notícias, um feminismo que, afinal, é apenas instrumental para fins partidários e pessoais. Vai ser aliás interessante ouvir o que tem o Bloco a dizer das próximas propostas do Governo para a dita Agenda do Trabalho Digno.
O Bloco de Esquerda pediu desculpa… à sua maneira. Primeiro, fez queixa da revista Sábado à Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC), depois, sob pressão, pediu desculpa aos militantes em carta assinada por Mariana Mortágua. “Num processo penoso como aquele que vivemos em 2022, ao termos que terminar vínculos profissionais com metade das pessoas que empregávamos, nem tudo foi isento de falhas e o Bloco reconhece-o. Cometemos erros que lamentamos e que hoje teríamos evitado“. Pois, não se costuma ouvir essa candura e compreensão do Bloco perante decisões tantas vezes difíceis dos empresários que têm de reestruturar as suas empresas porque perderam receitas e negócio. As empresas também vivem processos penosos, mas têm sempre de contar com o populismo do Bloco, e quanto maior forem as empresas ou a visibilidade dos gestores e empresários, mais o Bloco aparece a pedir justiça popular. O eleitorado do Bloco deveria ter vergonha.
Miguel Arruda terá roubado malas no aeroporto, Mariana Mortágua roubou a coerência política a quem vota no Bloco, e a dignidade de mulheres que diz defender, de trabalhadores que ouvem o Bloco a criticar as empresas forçadas a fazerem reestruturações e são, afinal, alvo dos mesmos processos.
O que é que deveria verdadeiramente incomodar e motivar indignação (em vez do sorriso com desdém)?
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