As pessoas no centro da recuperação económica
Sem aviso e sem qualquer tipo de distinções, a pandemia invadiu a nossa vida. De um dia para o outro, o quotidiano mudou radicalmente.
A pandemia tem provocado milhares de vítimas, interrompeu o curso letivo a milhares de estudantes e poderá provocar impactos de longo-prazo significativos no tecido económico e no emprego.
Mas nem todos foram atingidos com a mesma violência. A economia informal, os empregos precários ou sazonais, pessoal de apoio em múltiplas atividades, que na maior parte das vezes trabalham sem garantias e com salários reduzidos, viram extintos os seus postos laborais. O mesmo se passou com empregos nas áreas de maior interação social ou de maior mobilidade como os serviços, turismo e cultura. Tratando-se de setores com uma forte presença de mulheres, o fosso da desigualdade de género evidenciado pelo gap salarial está a agravar-se indo ao arrepio das estratégias politicas para reduzir esse mesmo gap.
As taxas de desemprego, os empregos suspensos e a precariedade dispararam. Os jovens vivem a segunda crise económica numa década e continuam a ver o seu futuro em risco.
Aceder a serviços públicos essenciais como educação, saúde e serviços públicos ficou dependente de meios digitais. Note-se que o acesso à internet não é igual em todas as regiões do país nem em todos os níveis sociais. Idosos, pessoas portadoras de deficiência, com rendimentos mais baixos ou a viver em zonas rurais mais afastadas são mais facilmente discriminadas no acesso a serviços essenciais.
Bruscamente, este acentuar de desigualdades levou à criação de “novos pobres”. Estes somam-se aos “antigos pobres”, os das desigualdades de rendimentos e os mais vulneráveis pela migração, idade ou exclusão social. Se as desigualdades já existiam antes, a pandemia veio acentuá-las de forma dramática. As fragilidades estruturais tomaram proporções calamitosas.
E ouvimos um imperativo comum: precisamos de um “mundo novo”. E de uma nova atitude. Precisamos de políticas que fomentem a retoma, aumentem o potencial das economias mitigando, ao mesmo tempo, os efeitos negativos desta crise, prevenindo e contrariando aumentos mais acentuados de desigualdades. Precisamos de reformas que não sirvam apenas interesses corporativos, mas que corrijam assimetrias fiscais, que criem instrumentos de regulação para uma mais efetiva e eficaz redistribuição da riqueza. Precisamos de políticas que privilegiem e estimulem as pessoas, os jovens, as mulheres, que protejam os mais seniores, que proporcionem e alarguem os instrumentos de ação coletiva. Precisamos de um aumento das qualificações e de competências com um investimento forte no digital. Precisamos de criar emprego de qualidade, emprego decente e com direitos, para os desafios da transição digital e ecológica.
A recuperação económica terá de ser também social – uma não se fará sem a outra – e só será eficaz se for inclusiva, colocando as pessoas no centro das políticas. Não podemos cometer os erros da última crise em Portugal e deixar as pessoas para segundo plano. O que for positivo para os cidadãos é positivo para lutar contra as desigualdades, promover o crescimento económico e a resiliência da economia.
As cadeias de solidariedade que vimos serem espontaneamente criadas, a entrega profissional de todos os que se mantiveram e mantêm nos seus postos de trabalho para que nada falte a quem precisa, com os riscos daí decorrentes, deverão ser exemplo para ultrapassar a crise que temos pela frente.
O esforço económico e determinação politica para combater a pobreza e as desigualdades são muito exigentes. Uma melhor redistribuição do que é produzido é mesmo o melhor contributo.
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