Banco de Portugal: Gravitas, abertura e um mundo em aceleração

Um dos desafios do banco agora liderado por Álvaro Santos Pereira é manter-se uma instituição forte mas abrir-se à sociedade e saber conviver com um mundo que muda muito rapidamente.

A chegada de Álvaro Santos Pereira ao Banco de Portugal é uma incógnita, e também uma oportunidade para a evolução da instituição.

Os últimos tempos de Mário Centeno enquanto governador ficaram marcados por uma série de polémicas: o fica/não fica e a interminável busca por um sucessor; a nova sede e o seu custo; e as nomeações de última hora de pessoas próximas ao governador, que ficaram com os seus novos lugares resolvidos antes da chegada de Santos Pereira.

O primeiro tema, na verdade, não é de Centeno, e sim do ministério das Finanças, que decidiu que não contava com ele.

O segundo é muito barulho para nada, diga-se. A nova sede é um projeto muito antigo e adiado, o contrato tem riscos mas estão evidenciados e aparentemente acautelados.

Já o terceiro é mais bicudo, e diz tanto acerca do Banco de Portugal como de Mário Centeno.

Numa entidade normal, cabe ao líder que chega escolher as pessoas, que funções vão desempenhar, de quem se quer rodear e em que posições. Mas o Banco de Portugal é tudo menos uma entidade normal. Nem o quer ser.

Mário Centeno tem reagido com agressividade e indignação às notícias acerca de nomeações e colocações de última hora, algumas das quais carregam insinuações de favorecimento pessoal. Não me parece que seja esse o caso. Álvaro Novo pode ser um grande amigo do governador, mas é também uma pessoa de grande capacidade e currículo.

Centeno não está a dar novos cargos e “lugares de recuo” a quadros do Banco de Portugal por serem seus amigos: ele acredita mesmo que é sua responsabilidade – e do banco – ser leal às pessoas que o serviram a si e à instituição, e que devem ficar arrumadas e com a sua situação salvaguardada para o futuro.

Esta não é necessariamente uma política nova no Banco de Portugal. O que mudou agora não foi o processo em si, mas sim o escrutínio sobre o banco central. Que vem de dois fatores: o mundo da comunicação está cada vez mais rápido e agressivo; e Mário Centeno, pelo seu percurso e pela sua personalidade, é uma figura mediática muito mais fascinante do que Carlos Costa, por exemplo, ou do que o próprio Álvaro Santos Pereira.

Este novo mundo comunicacional – em sentido lato – mais rápido e mais populista, entra em profunda contradição e até choque com uma instituição que não tem apenas bem mais do 100 anos de História: em certos aspetos vive na sua própria bolha, académica, endogâmica e autosuficiente, como sempre viveu.

Alguns quadros de topo do Banco de Portugal – e Mário Centeno é talvez o maior exemplo disto – vivem numa atmosfera de excecionalidade. Consideram-se entre os mais brilhantes, sérios e extraordinários profissionais da nação, com uma certa vaidade e capacidade profissional a ser aditivada pelo facto de servirem o País. E são, de facto, muito bons.

É por causa dessa aura de excecionalidade e soberba que Mário Centeno lida tão mal com a crítica, como se viu bem na forma ríspida como respondeu aos deputados que o questionaram sobre as nomeações mais recentes no Banco de Portugal, mostrando um certo desprezo intelectual pelos “civis”, os de fora, aos quais não reconhece competência ou legitimidade para fazer perguntas incómodas.

O Banco de Portugal cuida dos seus quadros, mesmo quando eles deixam de ser essenciais em determinadas funções. É por isso que esta frase de Mário Centeno aos deputados é todo um tratado: “É evidente que vou ficar no Banco de Portugal. Sabe o que são 35 anos de uma carreira?”.

Hoje em dia, já ninguém pensa nesses termos, de uma carreira longa e burocrática numa só instituição, por mais prestígio que tenha. Essa noção quase académica explica porque é que o Banco de Portugal tem tantos consultores, especialistas, jubilados, emprateleirados e bem pagos. Porque, na visão histórica do banco central e que Centeno assume, serviram bem e longamente, e isso deve ser recompensado.

Muitas grandes instituições do mundo ocidental partilham algumas características: são antigas, elitistas, técnica e intelectualmente competentes, e encontram nas tradições o conforto interno para resistir a um mundo em aceleração e a modas passageiras. O Banco de Portugal, apesar do caminho relevante de abertura dos últimos anos, é também assim. E, pesando os prós e contras, se calhar ainda bem.

Vivemos numa época de sistemática e acelerada erosão das instituições. Olhe-se para a Função Pública portuguesa, para os tribunais, para os partidos, para a Assembleia da República, para a comunicação social, para dar apenas alguns exemplos. O Banco de Portugal tem uma força de talento e inteligência sem paralelo no nosso País. E isso deve-se a muitas coisas, e também à forma como procura garantir boas condições aos seus quadros, jovens ou em fim de carreira.

Um dos desafios de Álvaro Santos Pereira – um outsider da instituição, o que é sempre difícil – é convencer o Banco de Portugal, como um todo, que não é um Estado dentro do Estado. Que pode e deve ser escrutinado, e que encara isso com naturalidade democrática.

Mas que o saiba fazer sem banalizar o banco, sem degradar a sua imagem, sem abdicar desse excecionalismo, muitas vezes irritante mas tantas vezes justificado.

Temos cada vez menos instituições fortes e independentes, devemos cuidar das que temos. Mas isso não é incompatível com mais abertura à sociedade civil e ao escrutínio.

É uma linha fina, mas decisiva.

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