Campo pequeno, muro alto?

Estratégias geoeconómicas que visam reduzir riscos, podem apenas transferir riscos para outros agentes e setores, com consequências imprevistas e graves.

O mundo está a mudar. Depois de anos em que o multilateralismo baseado na hegemonia dos Estados Unidos permitiu uma organização de atividade económica mais baseada em mercados, eficiência, e interesses privados, hoje em dia assistimos a um movimento contrário. Cada vez mais decisões económicas são baseadas em objetivos geoeconómicos. Diferentes países tentam exercer o seu poder nas suas áreas de influência, levando governos e empresas estrangeiras a tomar decisões de acordo com os seus objetivos (como a objeção dos Estados Unidos à utilização de tecnologia chinesa no Porto de Lisboa). Estes objetivos incluem uma amálgama de considerações sobre eficiência, segurança, resiliência, e ideologia. Sempre estiveram presentes, mas agora são mais frequentes.

A Economia tem chegado tarde ao estudo deste assunto mas já mostra alguns resultados interessantes. Por exemplo, Christopher Clayton, Matteo Maggiori, e Jesse Schreger, no seu trabalho “A Framework for Geoeconomics”, mostram um aspecto surpreendente. Num mundo imperfeito, onde não é possível contratualizar todas as contingências, um poder hegemónico pode ser a melhor opção possível, apesar de introduzir algumas distorções, como forçar o uso de tecnologia inferior num porto em Portugal. De certa forma, este poder hegemónico permite ultrapassar algumas das falhas de mercado e providencia bens públicos mundiais, como a estabilidade financeira ou segurança. No entanto, como contrapartida, estes países exercem o seu poder geoeconómico, e por vezes de forma muito negativa.

Este equilíbrio está ele próprio a mudar com a emergência de uma segunda potência mundial, a China. Na Europa e nos Estados Unidos temos assistido a uma estratégia de “resiliência”, ou seja, uma série de políticas que reduzem a dependência destes blocos económicos em relação a partes incertas do globo. Um exemplo claro é Taiwan e a produção de microprocessadores. Mas se por um lado podemos reduzir a incerteza na cadeia de produção, deve ficar claro que se os EUA e a Europa dependerem menos de Taiwan, o valor estratégico de Taiwan diminui e é mais provável que a China decida tomar uma ação que procure reintegrar este território. Uma ação destas terá consequências imprevisíveis e poderá até aumentar a probabilidade de um conflito mais quente entre as duas potências mundiais.

Numa conferência sobre Geoeconomia em Berlim este mês discutiu-se uma série de artigos de investigação fascinantes sobre estes temas. Um resultado fundamental é que o aumento de comércio entre dois blocos reduz a probabilidade de conflito, mas um aumento de comércio com terceiros aumenta a probabilidade de conflito entre os dois rivais. Atividades como a deslocalização para países amigos (friendshoring) ou deslocalização para países próximos (nearshoring) podem, de facto, reduzir o risco na cadeia de produção, mas também podem resultar num maior risco de um conflito mais abrangente.

Neste contexto, a estratégia passa por definir de forma muito restritiva os produtos que são alvo desta estratégia de redução de risco (de-risking), adotando uma abordagem de “campo pequeno, muro alto”. O objetivo é manter ligações comerciais suficientes entre os dois blocos que evitem um escalar de conflitos. No entanto, esta estratégia de redução de risco é repleta de incertezas. A crise financeira de 2008 é um exemplo recente. Estratégias que visavam reduzir riscos, apenas transferiram riscos para outros agentes e setores, com consequências imprevistas e graves.

  • Professor de Economia Internacional na ESCP Business School

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