Carta aos jovens advogados
O Populismo e a promessa de soluções miraculosos é um vírus que só com a razão, a ética e a memória da história, conseguiremos vencer.
Meus Caros Colegas,
Jovens advogados, sois vós onde reside a esperança que nunca nos pode faltar. Permitam-me recordar que o Direito existe para proteção dos mais fracos. Uma comunidade, sem o primado do direito, é uma comunidade onde quem tem a força económica, política ou das armas, se impõe perante aqueles que só têm ao seu lado a razão.
A (nossa) civilização Ocidental que do decálogo de Moisés, dos grandes filósofos Gregos, da luz do Aufklärung, construiu uma sociedade onde liberdade, tolerância, fraternidade e um governo constitucional são pilares fundamentais; permitiu que conquistássemos a carta dos direitos do homem onde todos, sem exceção, se regem por leis, gerais e abstratas. Princípios como a não discriminação pela raça, credo ou sexo. Como o direito à propriedade, à privacidade, à presunção de inocência; a um julgamento justo. A defesa desses Princípios emerge como a primeira linha de defesa que qualquer advogado nunca pode abandonar.
Ora o século XXI, em que vivemos, abriu a caixa dos demónios que tanto atormenta Hobbes e a memória coletiva, que a todos nos deveria alertar, parece amnésica, perante o imediatismo das soluções populistas e demagógicas.
Atente-se nas últimas semanas da nossa vida coletiva portuguesa para se constatar que a loucura desceu a este canto ibérico.
É uma comissão parlamentar, que brinca aos filmes de Perry Mason, os seus deputados, transformados em inquisidores, que não se inibem em reclamar a derrogação do direito ao silêncio dos acusados. Atropelam os mais básicos direitos à privacidade e da dignidade humana, invocando, solenemente, uma superioridade moral, num escrutínio que confundo a esfera do legítimo controlo político, com a de um julgamento popular, realizado em direto.
É o segredo de justiça que pela enésima vez é atropelado, destruindo vidas, sem que qualquer acusação formada, assassinando o princípio da presunção de inocência.
É uma putativa estratégia de combate à corrupção que sugere a derrogação da presunção à inocência, propondo autênticos confiscos, em nome duma alegada eficácia na luta contra a corrupção.
Colegas, apelo a um sobressalto cívico, ético, de quem tem como profissão defender o Estado de direito!
Queremos voltar ao tempo do processo dos Távoras? Queremos viver num estado despótico à imagem de Singapura, cuja eficiência parece impressionar tantos? Queremos viver num estado Orwelliano? Viver em Liberdade é difícil. Viver em liberdade com respeito por todos os princípios acima inumerados, num ambiente de crise económica, ainda mais.
Mas não podemos ceder um só milímetro. São vocês os generosos representantes da minha (nossa) profissão em quem coloco toda a esperança. Para que não vivamos uma “nova” queda do império romano, que nos lança novamente em séculos de trevas medievais, onde o poder, a justiça e a liberdade, do mais anónimo dos cidadãos, recai na arbitrária vontade do senhor feudal.
O Populismo e a promessa de soluções miraculosos é um vírus que só com a razão, a ética e a memória da história, conseguiremos vencer.
É tempo de reler Hanna Arendt, Eduardo Correia, Karl Popper, George Orwell e tantos, tantos outros que nos deixaram legados de saber, por onde não devemos caminhar, por onde não devemos nunca mais trilhar.
É nos tribunais, nos círculos familiares, nas nossas comunidades, que peço que mostrem que ser advogado é uma enorme responsabilidade: a de nunca cedermos à razão da força, da demagogia, em detrimento da forca da razão.
A todos esses, Bem hajam!
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