Como erradicar a violência doméstica da sociedade portuguesa no século XXI?

  • Elisabete Ferreira
  • 23 Agosto 2021

Uma vez verificado o comportamento violento, há que dissuadir a reincidência e, neste plano, Portugal encontra-se numa posição de vanguarda.

Durante a sua vida, será mais provável que uma pessoa venha a sofrer uma agressão no seio familiar, do que a ser vítima de um crime praticado por um desconhecido. A violência doméstica é um grave problema da sociedade portuguesa, que constitui violação dos Direitos Humanos. Apresenta elevados custos individuais, físicos, psicológicos e económicos, mas também coletivos, ao colocar pressão sobre o sistema de saúde, sobre o sistema de segurança social, sobre as Polícias e os Tribunais.

Em Portugal, o combate à violência doméstica acompanhou as vicissitudes da sua história política. No pós 25 de abril, a Constituição de 1976 edificou as bases do respeito pelo princípio da dignidade da pessoa humana. Em matéria de violência doméstica, isto significou a consagração do princípio da igualdade e a proibição da discriminação em razão do género, o princípio da igualdade dos cônjuges e o princípio da proteção da infância, o que permitiu a neocriminalização dos maus-tratos contra menores e entre cônjuges no Código Penal de 1982.

O percurso legislativo tendente à erradicação da violência doméstica foi lento e difícil, mas, desde os primórdios do século XXI, o ordenamento jurídico português encontra-se dotado de um sistema de dissuasão da violência doméstica de grande valia. Desde 2000, o hoje denominado crime de violência doméstica tem natureza pública. No tipo legal de violência doméstica estão hoje abrangidas as relações homossexuais, presentes e pretéritas, as relações de namoro, as ofensas psicológicas e até os castigos corporais. Existem penas acessórias como a proibição de uso e porte de armas, a proibição de contactos, a frequência de programas de prevenção da violência doméstica e a inibição do exercício das responsabilidades parentais.

Porque é que ainda morrem tantas mulheres e crianças em contexto de violência doméstica em Portugal no século XXI?

A erradicação da violência doméstica depende da adoção de medidas repressivas e preventivas. Uma vez verificado o comportamento violento, há que dissuadir a reincidência e, neste plano, Portugal encontra-se numa posição de vanguarda. As falhas decorrem de interpretações erróneas da lei e da impreparação e/ou défices de zelo dos operadores no terreno. Urge, todavia, investir na intervenção junto dos agressores, já que a proteção eficaz das vítimas depende do trabalho com estes, no sentido da interiorização do respeito pela dignidade da pessoa humana e pela igualdade de género, bem como da adoção de diferentes paradigmas de interação íntima e familiar. Indispensável, ainda, a aposta na prevenção, que passa pela alteração dos valores enraizados na sociedade portuguesa acerca da família e das questões de género e pela disseminação de uma cultura de não-violência. Terá lugar através da educação, desde o berço, e da difusão intracomunitária coerente e consistente destes valores de respeito pelo próximo enquanto pessoa.

  • Elisabete Ferreira
  • Professora auxiliar na Escola do Porto da Faculdade de Direito da Universidade Católica

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