Corrupção: cumprimento normativo e defesa criminal
Nada ficará como dantes porque as entidades sujeitas terão de adaptar-se, sob pena de aplicação de sanções, ao novo quadro legal.
Com a entrada em vigor, no passado dia 7 de junho, do Decreto-Lei n.º 109-E/2021, de 9 de dezembro, passa a ser obrigatória, para as entidades públicas e privadas que empreguem mais de 50 trabalhadores, a adoção de medidas de prevenção da corrupção e infrações conexas.
Tais medidas passam por um mínimo legal, de onde avultam as seguintes necessidades: a adoção de um programa de cumprimento normativo que inclua, pelo menos, um plano de prevenção de riscos de corrupção e infrações conexas (PPR), um código de conduta, um programa de formação e um canal de denúncias, a fim de prevenirem, detetarem e sancionarem atos de corrupção e infrações conexas, levados a cabo contra ou através da entidade. Paralelamente, é igualmente necessária a nomeação de um responsável pelo cumprimento do PPR, o qual deve ser atualizado a cada três anos e sempre que as alterações ao nível da estrutura organizacional da entidade o reclamem.
A adoção destes mecanismos legais – que encontram algum eco nas obrigações decorrentes da entrada em vigor do Regulamento Geral de Proteção de Dados e nas regras preventivas vertidas na Lei de Prevenção do Branqueamento e do Financiamento do Terrorismo (Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto) – relevam a dois importantes níveis: por um lado, pretendem dotar as entidades obrigadas de regras, gizadas para cada caso concreto, que permitam (também em concreto) diminuir os riscos da ocorrência de crimes de corrupção e infrações conexas e, dessa forma, proteger tais organizações da sua implicação em procedimentos de natureza criminal (cujas sanções aplicáveis são passíveis de atingir a totalidade da estrutura, incluindo os trabalhadores) e, por outro, mesmo no caso de tais entidades se virem a braços com a necessidade de terem de defender-se no âmbito de processos de natureza criminal, permitem a eventual sustentação de uma linha de defesa que passa – perdoe-se-me o pleonasmo – pela defesa da entidade contra atos de quem, afinal, violou as regras preventivas.
A adoção de programas de cumprimento normativo corresponde, com estas alterações, ao primeiro (e, desejavelmente, ao único) contacto que muitas entidades públicas e privadas terão com o braço armado da justiça penal e a grande novidade reside no enfoque que é colocado na obrigatoriedade de adoção de mecanismos de prevenção dos ilícitos.
Admitindo que a realidade do cumprimento normativo voluntário, em matéria sancionatória, para muitas entidades sujeitas ao Decreto-Lei n.º 109-E/2021, de 9 de de Dezembro – sobretudo as que operam no sector privado e que se inserem em grupos internacionais de empresas – não é uma novidade, fruto do impulso preventivo que tem vindo a conhecer-se, sobretudo, no domínio da prevenção de ilícitos relacionados com a corrupção, noutros países, sobretudo do espaço Europeu, de onde avultam o Reino Unido e a França (sendo esta última a que, do ponto de vista jurídico, e no domínio da prevenção da corrupção, encerra um sistema jurídico, veiculado pela Loi Sapin II, que mais se assemelha com a Lei que vigora entre nós desde o dia 7 de Junho), o que é certo é que, na maior parte das entidades sujeitas, nada ficará como dantes.
Nada ficará como dantes porque as entidades sujeitas terão de adaptar-se, sob pena de aplicação de sanções, ao novo quadro legal e porque, mesmo no caso de terem de enfrentar processos de natureza criminal, a defesa nestes últimos passará – estou em crer – pelo incontornável tópico da adequação e da suficiência do PPR à proteção do risco que, afinal (e restará saber por que razão) se materializou.
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