Cortar o IRS para todos
O governo faz bem em reduzir o IRS, mas deveria fazê-lo para todos. E deveria também substituir a progressividade do IRS por uma 'flat tax'.
Gostei de ver o Governo a defender a redução do IRS como forma de atrair portugueses emigrados, e estrangeiros outrora residentes, a regressarem a Portugal. Agora, só falta reduzir o IRS em 50% para todos os outros e, já agora, de forma permanente.
Isto dito, a medida anunciada não deixa de ser uma surpresa. É uma contradição que encontro de forma reiterada na argumentação da esquerda: Quando se fala de salários, o homem e a mulher da esquerda falam quase sempre de salários líquidos. É raro falarem de salários brutos. O homem e a mulher da esquerda queixam-se dos salários (líquidos) baixos, mas tendem a esquecer-se que, em parte, os salários são baixos porque os impostos são altos. Naturalmente, a observação não se aplica a todos os níveis de rendimento, nem eu me estou a referir a todos os homens e mulheres da esquerda. Na verdade, refiro-me a uma classe média-alta de esquerda que, em Portugal, também é apanhada na voragem fiscal do IRS. Como aqui tenho repetido ao longo dos anos, o IRS em Portugal é muitíssimo progressivo e qualifica como um imposto confiscatório.
O homem e a mulher da esquerda falam do salário líquido, e não do salário bruto, porque não querem falar nem do IRS nem das contribuições sociais. É aqui que reside a contradição intelectual. Por um lado, querem mais despesa pública, mais impostos. Por outro lado, também querem salários mais elevados, logo, menos impostos. Falam de remunerações líquidas, porque se falassem de remunerações brutas o impacto real da subida dos salários, medido em incremento do líquido, seria muito menor.
Além disso, o problema da esquerda é que na economia real os salários são fixados de forma ilíquida (bruta) e sobre estes incidem ainda as contribuições sociais a cargo do empregador. O custo total para o empregador é a soma dos dois. Evidentemente, nem todas as pessoas têm a curiosidade de saber quanto levam para casa, depois de impostos e contribuições, em proporção do custo total que representam para o empregador. Mas, contas por alto, no caso do assalariado que ganha 1.000 euros brutos por mês, ele leva para casa dois terços do que custa ao empregador. Há, portanto, um terço do custo total que fica pelo caminho. E no caso de ganhar 3.000 euros por mês é mesmo metade que fica pelo caminho. Empregar assim fica caro.
Como disse, gostei de ver o Governo a promover a redução abrupta do IRS. Por um lado, é um golpe naqueles que refutam a utilização de benefícios fiscais como incentivo à actividade económica. E, note-se, este executivo é apoiado no Parlamento por uma maioria de gente que pensa assim. Por outro lado, sendo uma medida plana, sem grandes restrições, parece igual para todos, afigurando-se-me justa e de fácil aplicação. Bem sei que algumas pessoas teriam preferido um regime idêntico ao do residente não-habitual, designadamente a restrição que o limita a profissões supostamente qualificadas.
Todavia, o problema desse tipo de restrições é que abre caminho a todo o tipo de interpretações sobre o significado de “qualificado”. Abre caminho a todo o tipo de abusos e injustiças perpetradas pelo pequeno burocrata que trata de cada processo. Abre caminho à corrupção. Sem esquecer também que aquele que hoje é qualificado amanhã poderá deixar de o ser, e vice-versa.
O Estado não deveria estar no negócio das leis arbitrárias, mas infelizmente é isso que cada vez mais vai sucedendo. Onde o Estado deveria estar limitado a fazer o que a lei lhe permitisse fazer, e o indivíduo a não fazer o que a lei lhe não permitisse, temos cada vez mais o oposto. O Estado faz o que lhe apetece e os indivíduos pedem licença para fazer.
A progressividade do IRS, já o disse antes e reitero, é anti-democrática. Para além de confiscatória, representa a melhor forma de afugentar o engenho competitivo associado à natureza humana. É a melhor forma de levar os mais empreendedores, os mais capazes, os mais ambiciosos, a dedicarem os seus talentos ao ócio. No processo, é também a melhor forma de evitar que os consumidores tenham acesso aos bens e serviços que os mesmos valorizam. Constituindo um obstáculo à acumulação de riqueza, o mesmo é dizer que incentiva o consumo de riqueza. A prazo, a progressividade do IRS derrota-se a si mesmo. O Governo faz bem em reduzir o IRS e devia fazê-lo de forma generalizada e indiscriminada. De facto, se houve no Governo anterior erro crasso de política económica, esse erro crasso foi o enorme aumento de IRS perpetrado por Gaspar. Mas, agora, não se trata apenas de reduzir o IRS. Trata-se também de acabar com a progressividade do imposto, substituindo-a por uma “flat rate” acima do mínimo de existência.
Estou persuadido de que seria um argumento bem mais convincente do que um desconto de 50% durante dois ou três anos. Não apenas para convencer alguns que foram para fora a regressarem a Portugal, mas sobretudo para fazer regressar aqueles que não tendo emigrado mais parecem terem-no feito. O incentivo tem de estar na valorização da produção, não na sua desvalorização.
Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo segundo o novo acordo ortográfico
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