Crescer a 2% não chega para estar nos mais ricos da UE

Sempre que ouvirem algum governante ou o governador do Banco de Portugal a exultar por Portugal estar a crescer ligeiramente acima da UE, lembrem-se que isso não representa um objetivo ambicioso.

Apesar das projeções ligeiramente mais otimistas do FMI para o crescimento económico de Portugal em 2024 e 2025 (1,9% e 2,3%, respetivamente), face às estimativas mais recentes do governo (1,8% e 2,1%), o ritmo médio de crescimento económico, em ambos os casos, ronda os 2% ao ano até ao final da década. Esse ritmo é manifestamente insuficiente para que Portugal atinja, num horizonte aceitável, o nível de vida da metade dos países mais ricos da União Europeia (UE).

A tabela apresenta ambas as projeções para Portugal, que apontam para uma redução do crescimento económico para 1,9% em 2029, segundo os dados do FMI, e para 1,8% em 2028, de acordo com o Governo (dados constantes no Plano Orçamental Estrutural Nacional de Médio Prazo submetido à Comissão Europeia). Apesar das ligeiras diferenças nas trajetórias e no horizonte temporal (com uma discrepância de um ano entre as projeções), a tendência é de abrandamento, com uma média de crescimento de 2% a partir de 2023 em ambos os casos, o que corresponde ao 11º valor mais elevado na União Europeia.

Fonte: FMI, Word Economic Outlook Out-23; Conselho de Finanças Públicas, “Parecer sobre as Previsões macroeconómicas subjacentes ao Plano Orçamental-Estrutural Nacional de Médio Prazo” do Governo (projeções num cenário de políticas invariantes usando a metodologia da Comissão Europeia). Notas: PT = Portugal; AE = Área Euro; UE = União Europeia; Ms UE = média simples dos valores de crescimento dos países da UE. * Média simples dos valores anuais.

Contudo, este posicionamento decorre de lugares na primeira metade da tabela em 2023 (6º), 2024 (11º) e 2025 (12º), descendo para a 17ª posição entre 2026 e 2029, segundo as projeções do FMI. Esta tendência reflete claramente a perda de dinamismo do turismo, a principal componente das exportações de serviços. Nas projeções do FMI, este abrandamento está evidenciado no facto de as exportações de bens e serviços desacelerarem muito mais acentuadamente do que as exportações de bens até 2029, conforme a base de dados do World Economic Outlook do FMI.

Antes de avançar com a análise, é importante destacar que as previsões do Governo foram elaboradas com base num cenário de políticas invariantes, seguindo a metodologia da Comissão Europeia. Isto significa que não foram consideradas novas medidas de política, para além das já previstas, sendo também de salientar a exclusão do impacto das subvenções do PRR (incluindo apenas o efeito dos empréstimos). Assim, não é adequada a comparação entre estas previsões e o cenário macroeconómico apresentado no programa eleitoral da AD, que previa uma aceleração gradual da economia até atingir um crescimento de 3,4% em 2028. Tal projeção estava assente na implementação de políticas pró-crescimento ambiciosas, nomeadamente uma significativa redução da taxa de IRC.

Contudo, tendo em conta a reduzida maioria parlamentar do Governo resultante das últimas eleições, que limita a sua margem de manobra – como ficou evidente nas negociações do Orçamento de Estado para 2025 –, irei prosseguir a análise assumindo um crescimento de 2% ao ano como um cenário possível, e até provável. Esta previsão é suportada pelo FMI, que aponta para esse valor até 2029, sendo uma entidade independente e com um horizonte de projeção mais alargado em comparação com o Governo. No entanto, este cenário pressupõe que o Governo (seja o atual, ou um novo caso haja eleições em 2026) consiga mitigar a diminuição do investimento público após o término do PRR, bem como o abrandamento do setor do turismo.

A minha análise tem em conta as projeções médias anuais até 2029 do FMI na tabela e um estudo da Faculdade de Economia do Porto (FEP) divulgado em fevereiro (2º capítulo do 1º número da publicação “Economia e empresas: tendências, perspetivas e propostas” do Gabinete de Estudos da FEP).

Portugal deve crescer no mínimo 3,1% ao ano entre 2022 e 2033 para atingir, no espaço de uma década, a metade de países com maior nível de vida da UE (13ª posição na atual configuração), assumindo um crescimento de 1,11% ao ano na UE implícito nas projeções do Ageing Report 2024 da Comissão Europeia (com base na evolução do PIB potencial) – num cenário sem reformas, Portugal cresce apenas 1,18% ao ano nessas projeções, próximo do registado em 1999-2022.

O estudo conclui que, no melhor cenário, Portugal deve crescer no mínimo 3,1% ao ano entre 2022 e 2033 para atingir, no espaço de uma década, a metade de países com maior nível de vida da UE (13ª posição na atual configuração), assumindo um crescimento de 1,11% ao ano na UE implícito nas projeções do Ageing Report 2024 da Comissão Europeia (com base na evolução do PIB potencial) – num cenário sem reformas, Portugal cresce apenas 1,18% ao ano nessas projeções, próximo do registado em 1999-2022. As novas projeções do FMI apontam para valores superiores de crescimento de Portugal e da UE em comparação com essas tendências do Ageing Report.

Usando antes as projeções do FMI, o que interessa para atingir o objetivo referido de nível de vida em 2033 é a meta em diferencial (mais robusta) estimada pelo modelo de crescer 1,4 pontos percentuais (p.p.) acima da média simples das taxas de crescimento anuais dos países da UE – ou, de forma equivalente, 2 p.p. acima da média da UE, o que equivale a um crescimento de 3,4% ao ano –, que é o novo referencial estratégico proposto no estudo da FEP, visando fomentar uma maior ambição nos nossos governantes, pelo que a sua adoção constituiria uma verdadeira reforma estrutural.

De facto, este referencial, onde todos os países têm o mesmo peso, continuará a ser mais ambicioso nas próximas décadas do que a meta de crescer ao ritmo da UE ou (pior ainda) da Área Euro, que têm sido seguidas pelos nossos governos conforme a ocasião. A dinâmica destes blocos é fortemente condicionada pelo peso das três maiores economias da UE (Alemanha, França e Itália), que há muito estão em estagnação.

Se Portugal tivesse crescido de acordo com o referencial proposto desde 1999, em 2022, estaríamos na 12ª posição em termos de nível de vida na UE (em vez da 20ª), e a nossa população teria mais um milhão de pessoas, de acordo com o estudo. Crescendo ao ritmo da UE, teríamos alcançado apenas a 19ª posição, uma melhoria modesta. Dado o atraso acumulado, será necessário que no futuro cresçamos a um ritmo superior ao do referencial proposto, de forma a não só recuperar esse atraso, mas também melhorar a nossa posição no ranking do nível de vida europeu.

A tabela evidencia que, em todos os anos analisados, a média simples das taxas de crescimento dos Estados-membros supera o crescimento da UE, que por sua vez é maior que o da Área Euro (AE). As médias de crescimento no período foram de 1,9%, 1,4% e 1,1%, respetivamente. Fica ainda patente o crescimento anémico da Alemanha (0,7%), Itália (0,7%) e França (1,3%), que contribuíram para esses resultados.

Com uma taxa de crescimento projetada de 2% ao ano até 2029, Portugal está apenas 0,1 p.p. acima do referencial proposto (média dos Estados-membros), quando na realidade precisaríamos de estar 1,4 p.p. acima – ou seja, a crescer a uma média de 3,4% ao ano – para alcançar a meta de estar entre os países mais ricos da UE até 2023. Em termos equivalentes, Portugal deveria crescer 2 p.p. acima dos 1,4% ao ano da UE, em vez de apenas 0,6 p.p..

No estudo, um diferencial de apenas 0,4 p.p. em relação ao referencial proposto permitiria atingir o objetivo de melhorar o nível de vida apenas em 2043. Com o crescimento previsto de 2% ao ano pelo FMI (um diferencial de apenas 0,1 p.p. em relação à média dos Estados-membros), demoraremos mais de duas décadas para alcançar esse objetivo no contexto atual da UE. A partir de 2030, com a provável adesão de mais países do Leste Europeu, incluindo a Ucrânia, que têm um nível de vida inferior, Portugal poderá subir estatisticamente em relação à média da UE. No entanto, essa situação já ocorreu no passado e gerou complacência entre os nossos governantes, que não implementaram as reformas necessárias, resultando em que muitos desses países nos ultrapassassem em nível de vida. Não queremos que esse erro se repita.

Taxas de crescimento na casa dos 3% foram alcançadas por Portugal nas décadas de 1980 e 1990, e poderão ser replicadas com as políticas adequadas, considerando as reformas e os fatores de competitividade necessários no contexto nacional e internacional atual. Apenas com este tipo de ambição poderemos aspirar a integrar o ‘pelotão da frente’ da UE em termos de nível de vida e bem-estar até 2033.

É fundamental que o Governo estude reformas que possam ampliar o potencial de crescimento económico e que sejam viáveis, mesmo no contexto político atual. Reformas que não dependam diretamente do Parlamento ou que, quando necessário, consigam gerar os consensos indispensáveis para a sua aprovação. Além disso, é crucial um maior aproveitamento da colaboração da sociedade civil, especialmente da Academia, pois o país necessita de políticas económicas mais informadas e baseadas em evidência científica.

É fundamental que o Governo estude reformas que possam ampliar o potencial de crescimento económico e que sejam viáveis, mesmo no contexto político atual. Reformas que não dependam diretamente do Parlamento ou que, quando necessário, consigam gerar os consensos indispensáveis para a sua aprovação. Além disso, é crucial um maior aproveitamento da colaboração da sociedade civil, especialmente da Academia, pois o país necessita de políticas económicas mais informadas e baseadas em evidência científica. As recentes discussões sobre o IRC e o IRS jovem durante as negociações do Orçamento do Estado evidenciaram muitos equívocos de análise, sobretudo do lado do PS.

Um estudo recente da McKinsey confirma que Portugal pode reduzir o défice de produtividade com uma aposta séria na Inteligência Artificial (IA), que permitirá libertar tempo de tarefas rotineiras para funções mais criativas. O custo da inação é elevado: Se Portugal atrasar a adoção desta e de outras tecnologias disruptivas em relação a outros países, o défice de produtividade alargar-se-á ainda mais, comprometendo o progresso do nosso nível de vida.

Além disso, o eventual fim da guerra na Ucrânia pode aumentar as previsões de crescimento das economias do Leste Europeu, fortemente prejudicadas pelo conflito, o que exigirá ainda mais ambição no crescimento de Portugal. Em contrapartida, a continuação da guerra terá impactos negativos significativos na nossa economia, ao aumentar os custos futuros da reconstrução da Ucrânia e ao penalizar as exportações para as nossas empresas, devido ao choque negativo persistente sobre a economia da UE.

Além disso, o orçamento da União será pressionado para pagar a dívida que financiou o Mecanismo de Recuperação e Resiliência (incluindo o PRR português) e por novas áreas de apoio e novos países aderentes (como a Ucrânia) prioritários nos fundos de coesão. Se não houver um reforço das contribuições para o orçamento ou novos recursos – o que será difícil de concretizar devido ao contexto político na Alemanha e França, que só piorará com o prolongamento da guerra, bloqueando a UE –, o Portugal 2040 terá significativamente menos fundos do que o Portugal 2030. Temos, por isso, de aproveitar os fundos atuais de forma mais eficiente do que no passado.

É necessário preparar o país para crescer mais, mesmo com a provável redução dos apoios públicos europeus ao investimento. Isso exige uma reforma do Estado, que substitua despesa corrente por investimento, e várias reformas que estimulem o investimento privado e promovam uma atualização na nossa especialização económica, orientada para setores industriais e de serviços com maior valor acrescentado. Até o turismo, que continuará a ser uma parte importante da nossa economia, precisa evoluir para um modelo de maior valor acrescentado e sustentável, aliviando a pressão sobre infraestruturas, como a habitação, e o ambiente.

Precisamos de mais ambição e de políticas coerentes com essa ambição. Por isso, sempre que ouvirem algum governante ou o governador do Banco de Portugal a exultar por Portugal estar a crescer ligeiramente acima da UE ou (pior ainda) da Área Euro num ano, lembrem-se de que isso não representa um objetivo ambicioso e significa, na verdade, um empobrecimento relativo face a países mais dinâmicos. A análise correta do crescimento deve ser feita em períodos longos, em que os efeitos do ciclo económico se atenuam.

Acima de tudo, precisamos de mais ambição e de políticas coerentes com essa ambição. Por isso, sempre que ouvirem algum governante ou o governador do Banco de Portugal a exultar por Portugal estar a crescer ligeiramente acima da UE ou (pior ainda) da Área Euro num ano, lembrem-se de que isso não representa um objetivo ambicioso e significa, na verdade, um empobrecimento relativo face a países mais dinâmicos. A análise correta do crescimento deve ser feita em períodos longos, em que os efeitos do ciclo económico se atenuam. Devemos almejar e exigir muito mais, se quisermos tornar Portugal num país mais desenvolvido e atrativo para que os nossos jovens possam cá permanecer e construir o seu futuro.

O estudo da FEP, apresentado em fevereiro (Capítulo 2), traz uma mensagem de esperança: A criação de condições para o crescimento económico gera uma maior dinâmica populacional, que, por sua vez, alimenta esse crescimento. O Capítulo 3, apresentado em outubro, reforça que um maior crescimento económico está associado a uma maior dinâmica populacional e tal ocorre em todas as suas componentes: menor mortalidade, maior natalidade (melhorando do saldo natural), maior imigração e menor emigração (reforço do saldo migratório).

Contudo, como mesmo num cenário de maior crescimento económico o saldo natural continuará negativo (embora desagravado), precisaremos de um fluxo maior e consistente de imigrantes para estabilizar a população e alimentar esse crescimento, crucial para um maior nível de vida. Mas essa imigração deve ser mais integradora e controlada, com base em mecanismos associados ao crescimento económico, como o contrato de trabalho e a auscultação das necessidades das empresas.

  • Diretor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, Professor Catedrático e sócio fundador do OBEGEF

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