Cuidado com a benesse do Banco de Portugal
O regulador pode (e deve) aliviar a pressão sobre a taxa de stress na concessão de crédito à habitação, mas as famílias não deverão utilizar esta medida para correr a comprar a sua casa de sonho.
Está cada vez mais difícil comprar casa em Portugal. E não é obrigatoriamente pelo lado do preço dos imóveis, que até têm mostrado um abrandamento nos últimos meses. A dificuldade está, acima de tudo, do lado do processo de financiamento da compra.
Se, por um lado, a galopante subida das taxas de juro no último ano aumentou consideravelmente o custo da compra de casa, por outro, desde 1 de julho de 2018 que o Banco de Portugal colocou em prática uma série de medidas macroprudenciais que, com base nas taxas de juro atuais, tornam o acesso ao crédito à habitação ao alcance de poucos.
Entre estas “medida de bloqueio” destacam-se duas:
- O rácio entre o montante das prestações mensais de todos os empréstimos e o rendimento líquido dos mutuários do crédito (DSTI – debt service-to-income) não ultrapasse os 50%;
- Para efeitos do cálculo DSTI seja considerado um agravamento de três pontos percentuais ao indexante de referência dos empréstimos a mais de dez anos.
Considerando, por exemplo, que atualmente a taxa Euribor a 6 meses está acima dos 3,9%, o “teste de stress” que a banca sujeitará a carteira das famílias que pretendam comprar hoje casa nova recorrendo a um crédito bancário à taxa variável é, na verdade, de 6,9% – acrescida do spread contratado. Essa realidade reduz em muito a capacidade de endividamento das famílias.
Em fevereiro, com base nos preços dos imóveis em Lisboa e das taxas de juro na altura (situação que não melhorou de lá para cá), calculei que comprar casa na capital exigia a entrada de pelo menos 50% do valor da escritura, quando um ano antes era necessário dar apenas 20% do capital como entrada.
O efeito de todas estas condicionantes são visíveis nas carteiras dos bancos. Segundo dados divulgados na semana passada pelo Banco de Portugal, o montante total de empréstimos para habitação em maio era de 99,5 mil milhões de euros, menos 118,3 milhões de euros (-0,12%) do que no final de abril. Foi o quinto mês consecutivo que o volume de crédito à habitação concedido pela banca registou taxas mensais negativas.
Segundo o Banco de Portugal, o stock de crédito à habitação está no valor mais baixo desde julho de 2022 e há quatro meses consecutivos que está abaixo da fasquia dos 100 mil milhões de euros. Porém, os bancos têm dado sinais de que querem contornar estes números, mostrando-se cada vez mais agressivos nas suas campanhas comerciais. E agora é também a vez do Banco de Portugal mostrar alguma abertura para retirar “stress” ao “stress” que criou há cinco anos.
Recentemente, Clara Raposo, vice-governadora do banco central, em entrevista à Antena 1 e ao Jornal de Negócios revelou que o banco central está a ponderar baixar “eventualmente, um pouco o choque extra.”
Para os bancos e para as famílias estas são boas notícias. Recorde-se que as medidas macroprudenciais do Banco de Portugal foram colocadas em prática numa altura em que as taxas de juro estavam em valores negativos e que banco central referia que a “forte recuperação dos preços da habitação” estava a ser “acompanhada por uma menor restritividade dos critérios de concessão de crédito por parte das instituições financeiras.”
Hoje, nenhuma dessas condições de mercado persiste: as taxas de juro, não só deixaram de estar em valores negativos como negoceiam atualmente em máximos de quase 15 anos; e tanto o mercado imobiliário como o crédito à habitação estão a abrandar há vários meses.
Por todas estas razões faz sentido o Banco de Portugal aliviar a pressão do teste de stress, mas é também muito importante haver prudência por parte das famílias na utilização de crédito, para não abrir a porta a situações de sobre-endividamento como se assistiu no passado.
É de todo recomendável que a prestação da casa não ultrapasse um terço do rendimento do agregado familiar e que em conjunto com as restantes despesas fixas (água, luz, alimentação), a fatura global não ultrapasse dois terços do rendimento da família.
Caso esses limites estejam a ser ultrapassados ou estejam no limiar de serem cruzados, é tempo de dar um passo atrás e repensar o orçamento familiar para não correr o risco de entrar numa situação de vulnerabilidade financeira.
Num ambiente repleto de incerteza em relação ao comportamento da inflação e das taxas de juro, aliado à formação de cada vez mais nuvens em redor de uma potencial recessão na Zona Euro e nos EUA, todo o cuidado é pouco.
Texto incluído na edição de 4 de julho do Portefólio Perfeito, a newsletter de finanças pessoais do ECO, que pode subscrever através deste link.
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