Da proposta para imposição legal de contratação de advogado por sociedades comerciais

  • Miguel Páris de Vasconcelos
  • 14:29

Deve a Ordem dos Advogados promover uma alteração ao atual Estatuto da Ordem dos Advogados e ato próprio do advogado e apresentar uma Proposta Legislativa ao Governo e à Assembleia da República.

Atualmente existe a obrigação legal das empresas contratarem um contabilista (ou Revisor Oficial de Contas, no caso das sociedades anónimas) logo desde o momento da constituição da sociedade, e não existe uma obrigação correspondente para contratar um advogado. Não obstante as razões que impediram até ao momento a Ordem dos Advogados tomarem uma posição sobre este assunto, com o argumento do respeito de liberdade contratual, entendemos que existem mais argumentos para uma mudança de posição, e urge apresentar um parecer/proposta de diploma legal, no sentido de tornar obrigatória a contratação de advogado junto das sociedades comerciais, com os seguintes fundamentos:

  1. A implementação do conceito de advocacia preventiva, pois uma empresa que contrate os serviços de advogado diminuí os riscos de litigância, de aplicação de coimas, está informada da lei, o que constitui um fator-chave para sucesso da empresa;
  2. A celeridade na tomada das decisões estratégicas da sociedade comercial: – Um gestor ou administrador, antes de tomar decisões extraordinárias da vida da empresa, se já tem um advogado em regime de avença, conseguirá as decisões em tempo útil;
  3. Um advogado, ou sociedade de advogados, em colaboração com o Agente de Execução contratado pela empresa, ou uma sociedade multidisciplinar, têm a competência para conseguir recuperar créditos de forma legal, em tempo útil, e no respeito pelos deveres deontológicos, sendo que as regras atuais do processo executivo têm instrumentos que permitem que as empresas não tenham que recorrer a empresas de recuperação de créditos, que usam meios abusivos (muitas vezes ilegais e violadores do princípio da dignidade humana, previsto no art.º 1º da CRP) e que não têm regras deontológicas que balizem a sua atuação;
  4. Apesar de existirem cada vez mais licenciados, infelizmente o grau de iliteracia e ignorância no que concerne ao sistema legal e funcionamento de justiça é cada mais alarmante. Os cidadãos ou as empresas, em muitos casos só recorrem a um advogado depois de cometerem erros irreversíveis, ou tardiamente, e o caso das empresas, sobretudo de pequenas empresas, pode resultar em perdas que impliquem prejuízos avultados, ou até o pedido de insolvência. Um caso que ilustra um prejuízo evitável, é deixar prescrever um crédito que devido à natureza jurídica da sociedade comercial, implica um prazo de prescrição mais curto que uma pessoa singular. E tal resulta, e bem, do entendimento do legislador que uma sociedade comercial tem obrigação acrescida de estar informada, em relação a um cidadão comum;
  5. O art.º 6º do Código Civil, em que se baseia o nosso sistema de direito positivo, em que existe a presunção de que o cidadão conhece a lei que é publicada no Diário da República, tem a dificuldade de esbarrar na intensa publicação de diplomas legais, o que dificulta a interpretação e enquadramento legal de gestores, sem o devido apoio de um advogado;
  6. A sociedade comercial é uma pessoa coletiva, uma entidade abstrata, e por ser uma criação jurídica, faz todo o sentido que um advogado, ou sociedade de advogados, possa acompanhar a vida da sociedade;
  7. No ensino moderno da gestão, o conhecimento da lei é importante para uma empresa moderna, competitiva e sustentável;
  8. O Autor já efetuou uma comunicação ao 8º e 9º Congresso dos Advogados, mas não esteve presente, e por isso a comunicação nunca foi submetida a votação, ou seja, há vários anos que esta ideia já poderia ter sido concretizada, e a Ordem já poderia ter apresentado uma proposta legislativa.
  9. O Estatuto da Ordem dos Advogados vai ser revisto, e deverá ser colocado à discussão para eventualmente serem apresentados contributos dos seus associados, seguindo a boa tradição desta instituição.
  10. A proposta da Ordem dos Advogados, deve incluir a menção de contratação de advogado, ou sociedade de advogados, em regime de avença, porque permite flexibilizar e abranger da micro à grande empresa. Isto permite que um advogado não dependa de uma só empresa, ter maior experiência e uma maior independência como prestador de serviço qualificado; caberá à empresa, e por sua livre iniciativa, optar por um contrato mais ou menos abrangente, consoante as necessidades da empresa, o número de trabalhadores, o tipo de faturação, entre outros critérios que caberá à empresa decidir, sendo que a necessidade de imposição legal não pode obrigar a contratar um advogado a tempo inteiro, porque muitas empresas não têm capacidade de assumir essa despesa; por isso, a implementação desta medida deve ser acompanhada de uma divulgação na comunicação social, e ser explicada de uma forma pedagógica as vantagens para as empresas de passarem a ter apoio jurídico por via do tradicional “contrato de avença” que é um contrato de prestação de serviços que permite uma adaptação às necessidades da empresa; o que importa, é que os nossos empresários sintam que é bom para os interesses da empresa terem o aconselhamento de um advogado permanente, sem serem obrigados a celebrar um contrato de trabalho, tendo em conta a especificidade da função e as regras deontológicas que a tornam numa profissão atípica do ponto de vista dos direitos laborais consagrados no Código do Trabalho, independentemente das empresas de maior dimensão continuarem a ser livres para contratar “advogados de empresa”, ainda que tal solução diminua, na prática, a autonomia e independência do advogado que passará a estar dependente de um salário;
  11. Os advogados que forem contratados por sociedades multidisciplinares deverão ter as mesmas prorrogativas dos colegas de prática individual e societária, de acordo com a legislação em vigor na Lei das Ordens Profissionais, estando obrigados a cumprir as regras deontológicas consagradas no Estatuto da Ordem dos Advogados.
  12. Do ponto de vista do funcionamento do sistema judicial, dos custos para o erário público, também é uma medida racional, tendo em conta que irá diminuir a litigância, diminuir pendências, e realocar financiamento para uma justiça pública, moderna, transparente e inclusiva, invertendo a tendência da privatização da justiça como forma de resolver a falta de verbas para investir na justiça;
  13. Diminuir a procuradoria ilícita, porque só um advogado com inscrição ativa na Ordem dos Advogados, pode ser contratado em regime de avença com a empresa;
  14. Melhorar a imagem dos nossos empresários e empresas no estrangeiro, assim como o comércio jurídico;

Conclusão: Pelos argumentos expostos, ainda que de forma resumida, deve a Ordem dos Advogados promover uma alteração ao atual Estatuto da Ordem dos Advogados e ato próprio do advogado, e apresentar uma Proposta Legislativa ao Governo e à Assembleia da República para passar a ser legalmente obrigatório a contratação de Advogado, Sociedade de Advogados ou Sociedades Multidisciplinares pelas Sociedades Comerciais, como advogado de empresa ou em regime de avença ajustada às necessidades e dimensão da empresa, da mesma forma que acontece com os Técnicos Oficias de Contas.

  • Miguel Páris de Vasconcelos
  • Advogado

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