Dívida “green”
Para usar as finanças para combater as mudanças climáticas precisamos de garantir que a dívida verde não é apenas para "inglês ver".
Nos últimos dias como primeiro-ministro, António Costa falou nas Nações Unidas (ONU) sobre a troca de dívida de países como Cabo Verde e São Tomé e Príncipe por investimentos nas economias verde e azul. A ideia é reestruturar as dívidas destes países, redirecionando pagamentos de dívida para despesas que ajudem na transição climática. Estas trocas de dívida são uma variante da emissão de dívida verde. Neste caso, em vez de reestruturar dívida existente, emite-se dívida “verde”, com os fundos angariados destinados a pagar investimentos verdes (ou azuis).
Este mercado de dívida verde tem crescido nos últimos anos, com emissões sempre acompanhadas de muita publicidade. São emissões de dívida de que os políticos gostam. Em dezembro de 2023, António Costa referia-se a estes acordos como benéficos “para toda a humanidade”. Infelizmente, na maior parte dos casos, não interessam muito. A questão crucial é apenas: esta emissão de dívida leva a gastos adicionais que realmente ajudem a transição climática?
Isto não acontece necessariamente por diversas razões. Os fundos são fungíveis. Na melhor das hipóteses, os recursos obtidos através desta emissão de dívida podem financiar um projeto verde específico. Mas este projeto também poderia ser financiado por outras fontes. Na pior das hipóteses, estes fundos podem acabar a financiar fraudes (não faltam exemplos em Portugal), dado que não há reais compromissos ou mecanismos de controlo sobre o seu uso, especialmente no contexto da dívida soberana. Olhando para alguns contratos de dívida verde, estão cheios de linguagem que sugere ser uma intenção usar os fundos para financiar determinados projetos, e que não há obrigações legais de usar os fundos desta ou daquela forma.
É pouco provável que este tipo de acordos tenha efeitos significativos e há alternativas mais diretas. Se o objetivo é subsidiar investimentos verdes, é melhor financiar diretamente o uso dos fundos através de subvenções com mecanismos de transparência e verificação. Se o objetivo é reduzir a dívida, o melhor é fazer uma reestruturação. Em Economia, a ideia que é preciso instrumentos diferentes para conseguir objetivos diferentes, é conhecida como o princípio de Tinbergen. Simplificando, se queremos alcançar múltiplos objetivos – como financiar investimentos sustentáveis e reduzir dívida – precisamos de usar ferramentas específicas e adaptadas para cada um deles.
Estas e outras considerações são discutidas no livro Geneva 25: Climate and Debt, autorado por Patrick Bolton, Mitu Gulati, Ugo Panizza, Lee C. Buchheit, Beatrice Weder di Mauro e Jeromin Zettelmeyer. Uma alternativa realçada pelos autores é emitir dívida ligada a compromissos verdes verificáveis, com pagamentos contingentes a objetivos de sustentabilidade, por exemplo, reduções de emissões poluentes ou números para a produção energética com renováveis. No entanto, este tipo de ativos contingentes são também muito difíceis de implementar.
Se queremos realmente usar as finanças para combater as mudanças climáticas, precisamos ou de um melhor controlo sobre o uso dos fundos, ou de ativos com pagamentos ligados a objetivos verdes. Não é um problema fácil de resolver, mas é crucial garantir que a dívida verde não seja apenas publicidade política para “inglês ver”.
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