Do muro que não é de Trump à Amazon vetada em Nova Iorque…
A tradição e as circunstâncias dizem-nos que os EUA vão estar em ‘guerrilha política’ permanente até 2020. Já abriu a ‘estação das primárias’.
Esta semana aconteceram nos Estados Unidos dois factos que têm relevância se quisermos antecipar os próximos anos da política norte-americana. Um foi a aprovação de um acordo orçamental de mínimos entre Trump e o Congresso; o outro foi o veto da esquerda do Partido Democrata ao investimento da Amazon em Nova Iorque.
A tradição e as circunstâncias dizem-nos que os EUA vão estar em ‘guerrilha política’ permanente até 2020. Já abriu a ‘estação das primárias’ e isso vai inevitavelmente abrir um concurso muito específico: quem é o Democrata mais anti-Trump. Se as coisas já não são fáceis na relação entre a Casa Branca e o Congresso, menos fáceis serão a partir daqui.
Nesse sentido os americanos (e o sentimento económico global) tiveram uma notícia positiva e menos habitual: não haverá novo shutdown no Governo americano por causa da questão migratória (pelo menos para já).
A ideia a que obedece o shutdown não é tão bizarra como na Europa se diz e escreve. O princípio é virtuoso, desde que não seja usado com excessiva frequência: se os parlamentares não se entendem quanto ao Orçamento, então o Estado federal não pode gastar mais dinheiro, porque o dinheiro do Estado é o que vem dos impostos das famílias e das empresas. A democracia nasceu assim — no taxation without representation — e não há razão de monta que aconselhe revisão desse princípio.
O acordo a que chegaram os legisladores Democratas e Republicanos é um entendimento de mínimos: a maioria Democrata deixa o Presidente Trump fazer mais 88 quilómetros de muro a mais e financia-lo em 1,7 mil milhões de dólares. O face saving não é brilhante para Trump porque ele queria bastante mais (acima de 300 km e cerca de 5,4 mil milhões de dólares). A verdade é que o Presidente — contrariado — assinou.
Foi um ato bastante mais inteligente do que insistir num novo shutdown. Numa situação de conflito, Trump é o maior inimigo de si próprio: os americanos tendem a achar que a responsabilidade é dele…
E a seguir Trump declarou emergência nacional — uma faculdade de poder executivo que, desde 1976, já foi usada quase 60 vezes — o que lhe permite ir buscar fundos não utilizados (mas guardados para emergências) no Pentágono e completar o muro como entende.
A ideia a que obedece o shutdown não é tão bizarra como na Europa se diz e escreve. O princípio é virtuoso, desde que não seja usado com excessiva frequência: se os parlamentares não se entendem quanto ao Orçamento, então o Estado federal não pode gastar mais dinheiro, porque o dinheiro do Estado é o que vem dos impostos das famílias e das empresas.
A favor de Trump está uma pergunta que é básica. Se Clinton teve dinheiro para decidir e fazer o muro; se George W. Bush teve dinheiro para alargar e continuar o muro; e se Obama teve dinheiro para prolongar o muro, e todos são responsáveis pelos 1.047 quilómetros de muro que já existem, então porque é que Trump não pode fazer o que os outros fizeram e ele, aliás, prometeu que faria durante na campanha eleitoral? É certo que também prometeu que seriam os mexicanos a pagar, mas a verdade é que o muro não é ideia nova, nem é ideia dele. Já existe e tem muitos quilómetros edificados por Presidentes Democratas…
Contra Trump pode certamente esgrimir-se não a legalidade da medida, mas a fundamentação da emergência. É difícil sustentar que existe uma emergência nacional quando os números de ‘procura’ dos EUA são mais reduzidos do que foram no passado. Alias o próprio discurso de Donald Trump — uma política mais vigorosa e restritiva da imigração — teve como efeito baixar (ou conter) o número de pessoas que procuram os Estados Unidos para emigrar. Por exemplo, no primeiro ano de Trump houve menos deportações do que no último ano de Obama; o que há são mais detenções de imigrantes ilegais.
Como frequentemente acontece nos Estados Unidos, cada um fica na sua e o Tribunal decidirá por todos. É muito provável que a questão chegue ao Supremo e o resultado não é certo — há muita jurisprudência conservadora favorável à limitação do(s) poder(es)…
Enquanto o tema migratório foi amplamente discutido e mediatizado acontecia um outro facto — mais discreto — mas nada irrelevante.
A ala esquerda do Partido Democrata (no caso liderada pela congressista mais jovem de sempre e excessivamente favorecida pelos media: Alejandra Ocaso Cortez) vetou um grande investimento da Amazon em Nova Iorque. Basicamente, a argumentação da esquerda Democrata é que o dono da Amazon é o homem mais rico do mundo e, por isso, não pode beneficiar de incentivos fiscais.
Soa bem, mas acaba por ser populismo inconsequente: o investimento da Amazon vai fazer-se noutro Estado e já há vários candidatos (pudera: são 25 mil empregos — mesmo que as condições desses empregos sejam discutíveis). Outros governadores Democratas querem ficar com o que Nova Iorque deitou fora.
Serão outra vez autoridades judiciais — neste caso as de Concorrência — que poderão obrigar a Amazon, não a mudar de Estado, mas a mudar de vida. Os processos pendentes contra a posição dominante da Amazon (quase sem hipótese de competição) podem vir a ter destinos interessantes. Mas aí é o controlo do mercado pelos princípios da concorrência a funcionar — não a ideologia a apregoar vetos que se esgotam na fronteira de Nova Iorque…
O interesse político desta polémica é simples: não foi apenas o Partido Republicano que se desviou das suas essências, é também o Partido Democrata que está a derrapar seriamente para a esquerda. Nem o mayor nem o governador de NY são propriamente conservadores — e ficaram inquietos e irritados com o veto. Cerca de 70% da população da cidade — esmagadoramente Democrata — era favorável ao investimento…
Se os Democratas derem muitos sinais destes arranjarão — suspeito — um problema a si próprios… A candidatura (e o discurso) do dono da Starbucks — contra os dois partidos que se tornaram extremistas — já tinha sido um tiro de aviso.
Curiosamente, serão outra vez autoridades judiciais — neste caso as de Concorrência — que poderão obrigar a Amazon, não a mudar de Estado, mas a mudar de vida. Os processos pendentes contra a posição dominante da Amazon (quase sem hipótese de competição) podem vir a ter destinos interessantes. Mas aí é o controlo do mercado pelos princípios da concorrência a funcionar — não a ideologia a apregoar vetos que se esgotam na fronteira de Nova Iorque…
Nota: A opinião de Paulo Portas é publicada com base no comentário semanal no Jornal das Oito da TVI, ao domingo,
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