É nisto que dá tanto Estado na economia
O tipo de política económica do PS, somado ao fraco enquadramento institucional, leva inevitavelmente ao compadrio e à necessidade destes “empurrõezinhos” típicos do dirigismo burocrático estatal.
Considerações judiciais à parte, a tragédia (ou comédia) governativa a que temos vindo a assistir parece-me ser apenas a consequência última do estilo de política económica messiânica e dirigista preconizado pela maioria socialista (e, admitamos, entranhado na essência do nosso pensamento governativo já desde os bafientos tempos salazaristas, para não ir a séculos mais distantes).
Ora vejamos. Ainda recentemente, no Congresso da Ordem dos Economistas, o líder parlamentar do Partido Socialista, Eurico Brilhante Dias, afirmou com veemência que nunca Portugal perdeu um projeto de investimento estrangeiro por razões de carga fiscal ou de taxa nominal de IRC, ripostando que a taxa efetiva de IRC é na verdade inferior a 20% e que os obstáculos assinalados pelos potenciais investidores são, para além de uma burocracia algo sufocante e de uma justiça demorada (ainda bem que o admite), a maior proximidade do centro da Europa de outras localizações alternativas, bem como, pontualmente, a falta de mão-de-obra e de recursos qualificados (lacunas que nas últimas décadas temos vindo a colmatar).
Quanto à taxa efetiva, apesar de 18,9% ter, de facto, sido a taxa noticiada pela imprensa económica a respeito de 2021, o Banco de Portugal sugeriu em 2022 que, na última década, a mesma rondou os 25%. Em todo o caso, a análise do impacto deste fator na atração de investimento estrangeiro nunca poderá ser feita com base nos resultados agregados de todas as empresas portuguesas. Estatísticas há para todos os gostos.
A pergunta que se coloca é se uma taxa de imposto mais baixa não serviria de fator compensatório dos outros obstáculos identificados pelos investidores e empresas. Porém, aqui é preciso também relembrar que a análise e os comentários de Brilhante Dias só são aplicáveis, quando muito, aos projetos concretizados via Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP). Aliás, por falar neles, foi ainda este mês noticiado mais um desses projetos, desta vez com a (muito bem-vinda) empresa sul-coreana de semicondutores SK hynix, que aqui se vai instalar no seguimento de um “memorando de entendimento” assinado na presença do Primeiro-Ministro (que, como percebemos pelas suas recentes declarações, gosta de se ver como o grande “agilizador” do investimento em Portugal…).
Ora, com “memorandos de entendimento” é fácil dizer que a taxa nominal de IRC não é um fator importante para a atração de investimento: mas e que tipo de outras contrapartidas terão sido oferecidas? Isso é literalmente “o que não se vê”, como diria Bastiat. Com efeito, segundo a notícia do ECO, o valor do “entendimento” com a empresa sul-coreana não foi divulgado. Assim como não foi divulgado o número de empresas que poderia ter vindo para Portugal se o enquadramento fiscal fosse mais límpido e a taxa mais baixa, mas que deixou de vir porque não esteve para se sujeitar ao filtro dirigista do Governo nem para prestar vassalagem a um Primeiro-Ministro que hoje se vê envolvido em toda esta trapalhada a que assistimos.
Encarnando brilhantemente esse espírito que veio a desembocar em nova crise política, Brilhante Dias manifestou-se liminarmente contra uma redução transversal da taxa de IRC, acreditando que a margem orçamental é mais bem empregada se for o seu partido a traçar as condições que possibilitarão a algumas empresas felizardas obter os benefícios fiscais concedidos pelo Governo. A lógica que transparece é a de que, se o excedente foi conseguido pelo PS, cabe ao PS decidir como o distribuir. Ideologicamente, como é óbvio, tudo isto encaixa perfeitamente no modus operandi socialista: a carga fiscal pode ser aliviada, mas só a quem se ajoelhar perante o Pai Estado e agradecer a dádiva do benefício fiscal ou da dedução à coleta. Não são os recursos estatais que provêm dos cidadãos e das empresas: são os cidadãos e as empresas que recebem a merenda do Estado – se se portarem bem e disserem obrigado ao Governo.
Por muito boas que sejam as intenções de toda a comitiva socialista, está na hora de percebermos que o tipo de política económica por si preconizada, conjugada com o fraco enquadramento institucional português, leva inevitavelmente ao compadrio, aos negócios obscuros e à necessidade destes “empurrõezinhos” típicos do dirigismo burocrático estatal. Leva também, como se vai suspeitando, a que “os piores cheguem ao topo”, como bem alertou Hayek há 80 anos.
Uma taxa de imposto transversalmente mais baixa, livre desta e daquela exceção, deste e daquele “memorando de entendimento”, seria não só mais adequada às nossas permeáveis instituições, como também, ao contrário do que afirmam os socialistas, muito mais justa.
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