E sobre o que interessa, o Orçamento disse nada
É sabido que as maiores empresas pagam melhores salários (e investem mais em I&D). O crescimento das empresas teria pois de ser um desígnio nacional.
O Orçamento do Estado para 2024 podia e devia reduzir a pressão fiscal. A redução de impostos é uma necessidade, muito mais do que uma mera possibilidade.
De facto, depois de mais de duas décadas de aumento das taxas nominais (e.g. IVA, derrama estadual, AIMI, adicional de solidariedade) e de alargamento das bases de incidência (e.g. contribuições extraordinárias), as taxas nominais estão hoje próximas dos anos 80, mas incidindo sobre uma base muito mais ampla. Porém, o nível da despesa pública (paga com receitas, i.e. com impostos, ou com dívida, que corresponde a impostos futuros) impõe uma redução apenas seletiva, até que façamos a tão prometida reforma do Estado. Essa redução seletiva exige, portanto, escolhas difíceis.
Baixos salários, inflação, custo da habitação, impostos elevados são problemas graves com que as famílias deparam hoje. O problema começa nos impostos sobre o rendimento que rapidamente atingem taxas proibitivas (mais de 28%) para salários baixíssimos em termos europeus (entre cerca de 2500 e 3700 euros), a que acresce uma das contribuições sociais mais elevadas da Europa (34,75%). Passa ainda pelos baixos salários (em termos de remuneração mínima mensal e, sobretudo, de média e de mediana de salários) e acaba nos custos proibitivos da habitação (valores elevados, taxas de juros em crescendo e ausência de oferta de arrendamento).
Por isso, a primeira redução teria de passar pelo IRS, com alargamento da amplitude dos escalões, para que os salários da classe média sejam menos onerados.
Mas como a redução será necessariamente curta (sempre a despesa pública), o aumento do rendimento disponível das famílias terá de passar pelo aumento dos salários. Claro está, não por decreto, mas por mais e melhores empregos, decorrentes de mais e melhor investimento que temos de atrair em volume muito significativo. E sim, vistos gold, RNH, pacote habitação, etc., afastam investimento que nos é essencial!
É sabido que as maiores empresas pagam melhores salários (e investem mais em I&D). O crescimento das empresas teria pois de ser um desígnio nacional.
Assim, enxertos de progressividade no IRC, como a derrama estadual, são contrários à lógica do imposto e à natureza (económica) das coisas (já que lucros maiores, decorrentes de maior capital investido, por exemplo, não correspondem a um aumento mais do que proporcional da capacidade contributiva). E transmitem um péssimo sinal do que pretendemos e, claro, afastam o investimento relevante de que carecemos (pelo menos, mais um investimento produtivo da dimensão, direta e indireta, da Auto Europa). Acresce ser necessário apoiar a consolidação das pequenas empresas, mediante fusões e aquisições, o que nem sequer implicaria despesa fiscal. Assim como o reforço dos parcos capitais próprios de que dispõem. A abolição da derrama estadual é, pois, uma prioridade.
Por fim, a habitação. O “imposto mais estúpido do mundo” (a velha SISA e, hoje, IMT) acabou por nunca ser abolido (foi, até, recentemente aumentado), em resultado da incapacidade de financiar as autarquias locais. Mas é ele quem cria uma brutal pressão inflacionista no mercado imobiliário: um imóvel hoje adquirido por 100 unidades custa, de facto, 107,3 (6,5% de IMI e 0,8% de Imposto do Selo, ao qual acrescem os IMI e AIMI anuais). Quer isto dizer que quem compra um imóvel só o pode revender por um valor superior em mais de 7,3% ao seu custo de aquisição, para não perder dinheiro. E assim sucessivamente, Ou seja, o Estado estimula a inflação na habitação.
Mas não só: a incidência do tal imposto “estúpido” exclui a incidência de IVA. O que parece positivo para as famílias (eleitoras), mas é um logro! Como o IVA não incide sobre o preço de venda, o promotor não pode deduzir o IVA suportado nas compras destinadas à construção. E como hoje não há empresas verticalmente integradas no sector (o promotor contrata toda a construção num ou mais empreiteiros), o IVA que incidiu sobre o valor de toda a obra (com exceção da margem de lucro do promotor) acaba por ser repercutido no preço e pago pelo adquirente (e num caso de dupla tributação muito parecido com o que ocorre nos automóveis, neste caso, com acréscimo de IMT).
O IMT, o tal imposto estúpido, teria pois de ser substituído pelo IVA à taxa mínima, se o Governo quisesse, realmente, resolver o problema da habitação, em vez de apontar (quixotescamente) contra pseudo inimigos, em nada responsáveis pela falta de habitação que as famílias que não sejam (muito) ricas possam adquirir (ou arrendar).
Infelizmente, sobre tudo isto (excesso de tributação sobre os rendimentos médios, abolição da derrama estadual, substituição do IMT pelo IVA), mais uma vez, o Orçamento dirá nada.
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