Economia e Natureza: Uma relação de interdependência

  • Daniel Arsénio
  • 3 Janeiro 2025

A degradação acelerada dos ecossistemas e a perda de biodiversidade pode amplificar os efeitos das alterações climáticas assim como aumentar a magnitude dos riscos financeiros associados.

Quando se trata de dinâmicas de interdependência, poucas são tão evidentes quanto a relação entre a economia e a natureza.

A natureza disponibiliza recursos e serviços essenciais para o funcionamento da economia, que incluem desde bens tangíveis, como água e alimentos a outros benefícios como o sequestro de carbono ou a polinização de culturas. No entanto, a degradação acelerada dos ecossistemas e a perda de biodiversidade pode amplificar os efeitos das alterações climáticas assim como aumentar a magnitude dos riscos financeiros associados.

As alterações climáticas e a degradação da natureza possuem um elevado potencial de impactar o funcionamento da economia e de comprometer a estabilidade e a resiliência do sistema bancário.

Um estudo do Banco Central Europeu revelou que cerca de 75% dos empréstimos às empresas concedidos pelos bancos da zona euro (o correspondente a 3,24 biliões de euros) são altamente dependentes de, pelo menos, um serviço de ecossistema, o que revela a vulnerabilidade dos Bancos aos riscos da perda de biodiversidade.

A nível nacional, o Banco de Portugal publicou em 2024 um relatório que avaliou a exposição e a resiliência do sistema bancário Português aos riscos climáticos. Em relação aos riscos físicos, verifica-se uma “exposição significativa” do setor a empresas localizadas em áreas vulneráveis a riscos de stress hídrico, stress térmico, incêndios e inundações.

Este é um aspeto especialmente crítico considerando a posição geográfica de Portugal. A primeira Avaliação Europeia dos Riscos Climáticos publicada pela Agência Europeia do Ambiente revelou que o Sul da Europa está particularmente exposto ao risco de incêndios florestais, ondas de calor e de escassez de água. É também identificado que muitos destes riscos já atingiram níveis críticos e que podem ter impactos catastróficos se não forem tomadas medidas imediatas.

Desta forma, é essencial abordar as alterações climáticas através de uma perspetiva de dupla materialidade, integrando a forma como essas questões afetam as empresas (materialidade financeira) e como as atividades das empresas afetam o clima (materialidade de impacto).

Esta reflexão assume particular relevância para empresas com uma elevada dependência da utilização de recursos naturais para suportar a sua atividade, especialmente considerando o aumento do risco de escassez desses mesmos recursos. No entanto, não se devem ignorar outros impactos associados às alterações climáticas, como por exemplo, o aumento do risco de disrupções nas cadeias de abastecimento ou o aumento do risco de doenças profissionais, especialmente em setores como a construção ou a agricultura.

Enquanto setor com um papel fundamental no desenvolvimento económico, os Bancos devem assumir não apenas uma abordagem estratégica e prospetiva em relação aos riscos climáticos e ambientais mas também posicionarem-se como um agente catalisador de práticas sustentáveis.

Os bancos têm a capacidade de influenciar comportamentos no mercado ao incorporar critérios ambientais, sociais e de governação nas suas políticas de crédito e investimento. Por exemplo, ao priorizar o financiamento de projetos e empresas que promovam a descarbonização, a eficiência hídrica ou a conservação dos ecossistemas, as instituições bancárias podem contribuir para mitigar os impactos das alterações climáticas e fomentar a construção de uma economia mais resiliente.

Para além disso, é crucial que o setor bancário implemente modelos avançados de avaliação e monitorização de riscos climáticos e ambientais, a fim de antecipar e mitigar potenciais perdas associadas a fenómenos climáticos extremos. Estes modelos devem considerar tanto os riscos físicos, como os danos causados por fenómenos climáticos extremos, quanto os riscos de transição, associados às mudanças regulatórias necessárias para uma economia neutra em carbono.

A análise de cenários alinhados com a ciência torna-se por isso uma ferramenta essencial para o processo de avaliação dos riscos climáticos e ambientais, pois os modelos tradicionais de risco não conseguem capturar e quantificar (na sua totalidade) o nível de incerteza associados a eventos climáticos futuros.

Por último, a criação de produtos financeiros deve ser percecionada como uma oportunidade de negócio com um potencial de criação de impacto positivo. Os bancos podem desenvolver instrumentos financeiros, como por exemplo biodiversity bonds, que financiam projetos que combatem a perda de biodiversidade, tais como a recuperação florestal ou a recuperação de habitats de vida selvagem, entre outros.

Diante da crescente ameaça representada pelos riscos climáticos e ambientais, torna-se evidente que o setor bancário desempenha um papel crucial na transição para uma economia mais sustentável. No entanto, a urgência das circunstâncias exige uma abordagem coordenada e ambiciosa entre os principais agentes económicos, até porque o custo da inação será sempre exponencialmente superior.

  • Daniel Arsénio
  • Técnico de Sustentabilidade na Caixa Geral de Depósitos

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