Em busca da igualdade de género

  • Natália Garcia Alves
  • 14 Julho 2021

As carreiras profissionais femininas são muitas vezes penalizadas na sua progressão porque as mulheres, para atender aos compromissos familiares, renunciam por vezes a desenvolver outras atividades.

Sempre me interessei por temas relacionados com a igualdade e, portanto, as questões relacionadas com a igualdade de género e o empoderamento da mulher suscitaram, naturalmente, a minha curiosidade e, por isso, lhes dedico algum tempo.

O meu interesse e a minha modesta contribuição para essas causas, levou-me a prestar alguma atenção ao recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14.01.2021, que trata da questão da prestação de trabalho doméstico, prestação de cuidados, acompanhamento e educação dos filhos, em exclusivo ou essencialmente, por um dos membros da união de facto não poder ser considerada como obrigação natural por implicar um desequilíbrio na repartição dessas tarefas, atribuindo um enriquecimento ao outro membro da união de facto que beneficia do resultado da realização dessas tarefas sem custos ou contributos, concluindo que aquele trabalho doméstico e acompanhamento dos filhos (lato sensu) deve ser incluído nas contribuições geradoras daquele enriquecimento.

Quando me cruzei com este aresto, celebrara-se, há poucos dias, o Dia Internacional da Mulher, ocasião que me levou a participar num evento de uma organização que acompanho há vários anos e que se dedica a promover a liderança baseada na igualdade de género, através do desenvolvimento profissional e de networking e de refletir um pouco sobre a necessidade de se (continuar) a comemorar este dia.

Tive a sorte de ter nascido mulher na Europa, continente intelectual e emocionalmente evoluído, e tenho alcançado todos os objetivos a que me proponho, quer profissional, quer pessoalmente. Mas, infelizmente, não é assim para todas as mulheres e, mesmo na Europa, se tudo se mantiver ao mesmo ritmo (o que é pouco provável com a regressão causada pela crise pandémica que atravessamos), ainda serão necessários 60 anos para se alcançar a igualdade de género.

Mas, voltando à decisão judicial, forçoso é reconhecer que, em termos nacionais, já percorremos um longo caminho. A aplicação do instituto do enriquecimento sem causa à situação de rutura da união de facto tratada no referido acórdão foi a forma encontrada para equilibrar a contribuição de cada membro para a união, em termos semelhantes aos das relações conjugais, mas sem fazer aplicação analógica do mecanismo compensatório previsto para estas, já que não se deve impor um regime legal a quem optou por a ele não se subordinar, sujeitando-se os membros da união de facto ao regime geral das obrigações e direitos reais.

E esse mecanismo compensatório só é possível há cerca de 13 anos, com a alteração ao artigo 1676º do Código Civil que respeita ao dever de ambos os cônjuges de contribuir para os encargos da vida familiar. Até à alteração introduzida em 2008, o nº 2 do citado artigo estabelecia que “se a contribuição de um dos cônjuges para os encargos da vida familiar exceder a parte que lhe pertencia nos termos do número anterior, presume-se a renúncia ao direito de exigir do outro a correspondente compensação”.

Com a Lei nº 61/2008, de 31 de agosto, consagrou-se, pela primeira e em situação de dissolução conjugal, que poderá haver lugar a um crédito de compensação em situação de desigualdade manifesta desses contributos.

O trabalho realizado pelas mulheres no contexto familiar, atualmente acumulado com o trabalho que desempenham no exterior, não era (e ainda não é totalmente) valorizado no contexto do casamento e permanece ainda mais invisível quando surge o divórcio.

Foi por ter em consideração esta falta de reconhecimento e as assimetrias que lhes estão implícitas (que, historicamente, prejudicam as mulheres), que se estabeleceu, nas consequências do divórcio, a possibilidade de atribuição de créditos de compensação, sempre que se verifique assimetria entre os cônjuges nos contributos para os encargos da vida familiar.

É um facto que as carreiras profissionais femininas são muitas vezes penalizadas na sua progressão porque as mulheres, para atender aos compromissos familiares, renunciam por vezes a desenvolver outras atividades no plano profissional que possam pôr em causa esses compromissos. Quando tais renúncias existem e, por desigualdades de género e mentalidades (ainda) enraizadas, não são geralmente esperadas nem praticadas no que respeita aos homens, acabam por colocar as mulheres em desvantagem no plano financeiro.

Razões mais que bastantes para a inovação legal que veio prever a possibilidade de, em caso de divórcio, “o cônjuge mais sacrificado no (des)equilíbrio das renúncias e dos danos, tivesse o direito de ser compensado financeiramente por esse sacrifício excessivo” (in, Guilherme Oliveira, (2004), “Dois numa só carne”, in Ex aequo, n.º 10.).

A transposição dos efeitos desta solução para situações de rutura de união de facto que o Supremo Tribunal de Justiça vem sedimentando é mais um contributo no combate à “grande injustiça da nossa época e ao maior desafio em matéria de direitos humanos que é a desigualdade de género” (parafraseando o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres).

  • Natália Garcia Alves
  • Sócia da SRS Legal

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