Espanha, Catalunha, nacionalismos e terrorismo

  • Filipe Vasconcelos Romão
  • 25 Agosto 2017

Os atentados na Catalunha expuseram de forma particularmente violenta a fractura entre as autoridades espanholas e catalãs. É urgente uma reflexão sobre o modelo de (não) convivência instalado.

Baltazar Garzón, em artigo publicado há dias no El País, chamava a atenção para a falta de diálogo entre as autoridades espanholas e catalãs em matéria de prevenção e combate ao terrorismo. O antigo juiz da Audiência Nacional (tribunal central espanhol responsável pela investigação e julgamento deste tipo de criminalidade) referia-se especificamente à ausência de reuniões da Junta de Seguridad Catalana, órgão de coordenação entre o Ministério do Interior de Espanha e o Departamento do Interior do governo catalão.

Os atentados de Barcelona e de Cambrils expuseram de forma particularmente violenta a fractura entre as autoridades espanholas e catalãs. Por um lado, a crise económica lançou os nacionalistas moderados catalães numa deriva independentista que colocou as instituições autonómicas à beira da ruptura com o Estado central. Por outro lado, o imobilismo e a insensibilidade que caracterizam a acção governativa de Mariano Rajoy não lhe permitiram compreender que os catalães estariam a chegar ao limite perante a ausência de uma reforma fiscal que lhes permitisse gozar de mais autonomia.

A Catalunha é a região que mais contribui para o Produto Interno Bruto espanhol e ao peso que tem na economia não corresponde uma efectiva capacidade de gestão dos seus recursos.

À medida que os dias passam, vai-se tornando mais evidente que algo terá funcionado mal em termos de prevenção e de coordenação. Por agora, sabemos que a imprensa, ao longo dos últimos anos, foi dando nota da iminência de um atentado na Catalunha. Num pequeno artigo publicado no site do Real Instituto Elcano, em Abril de 2015, Fernando Reinares e Carola Garcí a-Calvo alertavam para o facto de 33,3% dos condenados por terrorismo islamista em Espanha ter sido detida nesta região espanhola. Algo terá falhado para que mais de dez pessoas tenham sido recrutadas e uma célula constituída e para que uma acção de grandes proporções possa ter sido projectada (ao que parece incluía a explosão de dezenas de garrafas de gás), falhado e implementada uma alternativa que provocou quinze mortes.

Na semana passada, escrevi que as autoridades espanholas são das mais bem preparadas em matéria de combate ao terrorismo. Porém, também tive oportunidade de referir que a resposta a este desafio não está no encerramento de fronteiras ou na limitação à entrada de refugiados (por muito que isto custe a algumas mentes mais delirantes), mas sim na prevenção e na coordenação entre polícias e serviços de informações. Ora, se essa coordenação deve ser aplicada à escala europeia, não faz qualquer sentido que não o seja dentro de um Estado, por muito complexa que seja a sua organização territorial.

O modelo territorial espanhol é assimétrico e tem na Catalunha o seu grande calcanhar de Aquiles. Na generalidade do território, o combate ao terrorismo é feito pelo Corpo Nacional de Polícia e pela Guarda Civil, cabendo essa função no País Basco, em Navarra e na Catalunha às respectivas polícias autonómicas. A subtil troca de acusações a que estamos a assistir, por estes dias, entre Madrid e Barcelona, através dos jornais, passa uma mensagem lamentável.

Quando nem a necessidade de combater o terrorismo se sobrepõe a egos, egoísmos e lutas nacionais, algo está realmente mal, sendo urgente uma reflexão profunda sobre o modelo de (não) convivência que está a ser gerado.

  • Filipe Vasconcelos Romão
  • Presidente da Câmara de Comércio Portugal – Atlântico Sul e professor universitário

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