Fiscalização inteligente: MENAC, IA e o fenómeno do Window Dressing na nova era do compliance
É tempo de evoluir da formalidade para a substância, da norma para a cultura. Só assim se constrói um verdadeiro escudo contra a corrupção e se reforça a confiança no setor público e privado.
A recente notícia divulgada pelo ECO, dando conta da abertura de 11 processos de contraordenação pelo Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC), por falhas na implementação de medidas de prevenção da corrupção, constitui um sinal de aviso inequívoco para as entidades públicas e privadas obrigadas a cumprir o Regime Geral de Prevenção da Corrupção (RGPC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 109-E/2021. Este episódio revela que a fase predominantemente preventiva está a dar lugar a uma etapa de fiscalização rigorosa, incidindo sobre cerca de 14 mil entidades obrigadas, conforme referido na notícia.
Cumpre salientar que a conceção apressada ou insuficientemente estruturada dos programas de cumprimento normativo – em especial do Plano de Prevenção de Riscos – pode determinar a instauração de processos contraordenacionais. É, por isso, imperativo que estes programas respeitem os critérios definidos no RGPC e sejam proporcionais à dimensão, natureza e à forma de organização concreta de cada entidade individualmente, com identificação dos riscos da organização, evitando soluções padronizadas e descontextualizadas.
A notícia destaca ainda que o MENAC passou a dispor de uma ferramenta de inteligência artificial capaz de analisar, em segundos, volumes de informação que antes exigiriam um dia de trabalho humano. Este avanço tecnológico antecipa uma fiscalização mais célere e incisiva, baseada na análise dos instrumentos submetidos pelas entidades na plataforma eletrónica.
Desde 2021, a prevenção da corrupção deixou de ser mera recomendação ética para se afirmar como obrigação legal, cuja inobservância acarreta responsabilidade contraordenacional e, em determinadas circunstâncias, pode implicar responsabilidade penal. A abertura destes processos sancionatórios demonstra que o MENAC está a exercer uma fiscalização ativa, aplicando coimas que podem atingir €44.891,81 para pessoas coletivas. Embora este montante possa parecer modesto para grandes empresas, assume relevância reputacional e pode comprometer a participação em procedimentos de contratação pública.
A implementação deficiente ou lacunar dos programas de compliance não só fragiliza a prevenção, como pode agravar a responsabilidade da entidade, por evidenciar falta de diligência. A doutrina internacional designa este fenómeno como window dressing, alertando para a necessidade de auditorias internas e monitorização contínua.
Não existe um modelo universal, um programa eficaz deve cumprir os requisitos do RGPC; ser proporcional à estrutura e complexidade da entidade; refletir os riscos inerentes ao setor de atividade, o que implica um mapeamento rigoroso de cada empresa ou grupo de empresas per si.
A adoção de normas internacionais, como a ISO 37001 (Sistemas de Gestão Anti-suborno) e a ISO 37301 (Compliance), constitui uma boa prática, mas não dispensa a análise concreta dos riscos. A personalização é essencial para garantir efetividade.A prevenção da corrupção exige compromisso, recursos e uma cultura orientada para a transparência.
É tempo de evoluir da formalidade para a substância, da norma para a cultura. Só assim se constrói um verdadeiro escudo contra a corrupção e se reforça a confiança no setor público e privado. Está o seu programa preparado para resistir ao escrutínio digital?
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