Florestas e energias renováveis: sustentabilidade e circularidade
Tendo Portugal uma das maiores taxas de área florestal da EU, 36% do território nacional, torna-se cada vez mais importante olhar para a floresta como um dos nossos principais recursos.
A biomassa de origem florestal é uma das mais ancestrais fontes de energia, componente importante para a transição energética, cuja procura tem vindo a crescer, não só em Portugal mas também na Europa, crescimento este que tem vindo a ser acompanhado pela cada vez maior preocupação com a sustentabilidade deste recurso e da sua circularidade na economia, tendo, neste sentido, vindo a ser desenvolvidas medidas e critérios que visam a utilização sustentável deste recurso endógeno e renovável.
A Diretiva da UE relativa à política geral para a produção e promoção de energia proveniente de fontes renováveis (RED) fixou objetivos europeus e nacionais no que respeita ao aumento das quotas de energia renovável[1] (Diretiva 2009/28/CE). Nela foram estabelecidos uma série de critérios de sustentabilidade, nomeadamente para a proteção de terrenos ricos em biodiversidade e terrenos com elevado teor de carbono, mas não incluiu a problemática da alteração indireta do uso do solo (ILUC).
Em 2015, através da Diretiva 2015/1513, é reconhecida que a dimensão dos gases com efeito de estufa ligada à alteração indireta do uso do solo pode anular, em parte ou na totalidade, a redução de emissões de gases com efeito de estufa dos diferentes biocombustíveis, biolíquidos e combustíveis biomássicos.
[1] DIRECTIVA 2009/28/CE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 23 de Abril de 2009
Em 2015, através da Diretiva 2015/1513, é reconhecida que a dimensão dos gases com efeito de estufa ligada à alteração indireta do uso do solo pode anular, em parte ou na totalidade, a redução de emissões de gases com efeito de estufa dos diferentes biocombustíveis, biolíquidos e combustíveis biomássicos.
Em 2016, a Comissão Europeia publicou um pacote de medidas destinadas a preservar a competitividade da União, designada de “Energia limpa para todos os europeus”, no âmbito do qual, a Comissão adotou uma proposta legislativa de reformulação da RED.
A RED II publicada em dezembro de 2018, na qual se inclui como meta obrigatória os 32% da energia na UE, gerada através de fontes de energia renovável, até 2030, reforça os critérios de sustentabilidade e de emissão de GEE relativos à bioenergia, abrangendo não só os biocombustíveis para transportes, mas também a biomassa sólida e o biogás utilizados para aquecimento/arrefecimento e eletricidade nas centrais com uma capacidade superior a 20 MW.
Para a biomassa são estabelecidos critérios de sustentabilidade de forma a garantir que esta seja produzida de forma sustentável, independentemente de sua origem geográfica, reforçando as questões relativas à alteração indireta do uso do solo (ILUC). Neste sentido, a Comissão adotou o Regulamento Delegado (UE) 2019/807[1], no qual foram definidos os critérios para a determinação das matérias-primas com elevado risco de ILUC, relativamente às quais se observa uma expansão significativa da superfície de produção para terrenos com elevado teor de carbono e para a certificação de biocombustíveis, biolíquidos e combustíveis biomássicos com baixo risco ILUC.
[1] Regulamento Delegado (UE) 2019/807 da Comissão, de 13 de Março de 2019
Mais especificamente quanto às florestas, a RED II considera o seguinte[1]:
“(93) [….] a União e os Estados-Membros deverão promover uma maior mobilização sustentável da madeira e dos recursos agrícolas existentes e o desenvolvimento de novos sistemas florestais e de produção agrícola, desde que sejam cumpridos os critérios de sustentabilidade e de redução das emissões de gases com efeito de estufa.”
“(97) Deverão ser consideradas ricas em biodiversidade, de acordo com os critérios de sustentabilidade, as zonas florestais que sejam florestas primárias segundo a definição utilizada pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) na sua Avaliação Global dos Recursos Florestais, ou que estejam protegidas ao abrigo do direito nacional relativo à proteção da natureza.”
“(98) Não deverão ser convertidos para a produção de matérias-primas agrícolas para biocombustíveis, biolíquidos e combustíveis biomássicos os tipos de solos cujas perdas de carbono após a conversão não possam ser compensadas, num prazo razoável, tendo em conta a urgência do combate às alterações climáticas, pela redução de emissões de gases com efeito de estufa obtidas graças à produção e uso de biocombustíveis, de biolíquidos e de combustíveis biomássicos. [….] Os inventários das reservas mundiais de carbono levam a concluir que as zonas húmidas e as zonas continuamente arborizadas com um coberto florestal superior a 30 % deverão ser incluídas nessa categoria.”
“(102) Para assegurar que, apesar da procura crescente de biomassa florestal, a colheita é realizada de forma sustentável em florestas em que a regeneração é garantida, que é dada especial atenção a áreas explicitamente designadas para a proteção da biodiversidade, das paisagens e dos elementos naturais específicos, que os recursos da biodiversidade são preservados e que as reservas de carbono são rastreadas, as matérias-primas lenhosas deverão ser exclusivamente provenientes de florestas que sejam exploradas de acordo com os princípios de gestão sustentável das florestas desenvolvidos no âmbito dos processos internacionais relativos às florestas, tais como a Conferência Ministerial para a Proteção das Florestas na Europa, aplicados através do direito nacional ou das melhores práticas de gestão a nível da área de aprovisionamento.”
[1] DIRETIVA (UE) 2018/2001 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 11 de dezembro de 2018
O Plano de Ação da UE para a Economia Circular[1], visa transformar a economia da Europa numa economia mais sustentável, estimulando a competitividade global da Europa, promovendo o crescimento económico sustentável e criando novos empregos. As ações preconizadas no plano visam completar os ciclos de vida de produtos e materiais, mantendo pelo maior tempo possível, o seu valor na economia, minimizando a produção de desperdícios e maximizando a reciclagem e a reutilização.
No âmbito do compromisso da economia circular de promover o uso eficiente dos recursos de base biológica, a Comissão Europeia publicou recentemente as Orientações sobre a utilização de biomassa em cascata com exemplos selecionados de boas práticas relativas à biomassa lenhosa[2]. Apesar de não serem vinculativas, as presentes orientações explicam a utilização em cascata e enunciam certos princípios e práticas, a fim de inspirar as partes interessadas na sua aplicação.
Os princípios orientadores de utilização em cascata são: 1. Sustentabilidade; 2. Eficiência na utilização dos recursos; 3. Circularidade em cada fluxo e em cada etapa; 4. Novos produtos e novos mercados e 5. Subsidiariedade.
Neste contexto, tendo Portugal uma das maiores taxas de área florestal da EU, 36% do território nacional[3], torna-se cada vez mais importante olhar para a floresta como um dos nossos principais recursos, fundamental no desenvolvimento da economia e na coesão do território. Contudo, Portugal tem um enorme desafio no que concerne ao ordenamento e gestão florestal, o regime de propriedade, maioritariamente privado (97%) e o absentismo dos proprietários florestais. Neste sentido, é premente aumentar a atratividade por este setor de atividade, com a implementação de uma gestão sustentável da floresta de acordo o seu potencial de produção, proteção, biodiversidade, recreio, respeitando todos os princípios de uso em cascata. A bioenergia poderá contribuir para esta atratividade, ao permitir a valorização de sobrantes de operações silvícolas e de material lenhoso de baixa qualidade.
[1] COM(2015) 614 final
[2] Directorate-General for Internal Market, Industry, Entrepreneurship and SMEs (European Commission) (2019)
[3] IFN6 – Principais resultados – relatório sumário (ICNF, 2019)
[4] COM(2015) 614 final
[5] Directorate-General for Internal Market, Industry, Entrepreneurship and SMEs (European Commission) (2019)
[6] IFN6 – Principais resultados – relatório sumário (ICNF, 2019)
*Sónia Figo pertence à unidade de Biomassa (UB.CBE) – Centro da Biomassa para a Energia.
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