Gerar energia a partir de sinergias – o exemplo do agrivoltaico

  • Manuel Silva
  • 23 Agosto 2023

Os sistemas agrivoltaicos são verdadeiramente inovadores porque dão uma resposta positiva ao dilema do uso do solo: no mesmo espaço, torna-se possível produzir energia solar e alimentos.

O Inventário Nacional de Emissões de 2021, que a Agência Portuguesa do Ambiente divulgou há algumas semanas, não deixa margem para dúvidas: Portugal está no caminho certo para atingir a neutralidade carbónica, mas está a caminhar mais devagar do que seria esperado.

Segundo este relatório, Portugal conseguiu reduzir em 2,8% as suas emissões de gases com efeito de estufa de 2020 para 2021, atingindo uma redução acumulada de 34,8% face a 2005. Porém, para alcançar a meta de redução de 55% em 2030, o país terá de ser duplamente ambicioso e começar a reduzir as suas emissões em 4% ao ano.

Para atingir este objetivo, o setor privado é especialmente importante, já que será chamado a multiplicar por quatro o investimento que tem vindo a fazer, segundo a Agência Internacional para as Energias Renováveis. Isto implica avançar com soluções mais inovadoras, audazes e capazes de maximizar a produção renovável ao mesmo tempo que criam o máximo de benefício para as populações locais.

Projetos híbridos, que permitam combinar a produção de energia limpa com práticas agrícolas, podem ser assim soluções importantes. Neste aspeto, os sistemas agrivoltaicos são verdadeiramente inovadores porque dão uma resposta positiva ao dilema do uso do solo: no mesmo espaço, torna-se possível produzir energia solar e alimentos.

Isto é de tal forma relevante que, se apenas 1% do solo que hoje está dedicado à agricultura passasse a combinar também a produção de energia solar, seria possível assegurar toda a energia que é consumida no planeta. Estamos a falar de mais de 25.000 TWh por ano.

Isto demonstra bem a importância de implementar este tipo de projetos. A relação simbiótica do agrivoltaico potencia a conciliação do uso do solo entre produção renovável e agrícola, favorecendo ambas. Vários estudos independentes têm mostrado que combinar painéis solares com a produção de colheitas aumenta a eficiência do uso do solo, a produção agrícola total e a própria eficiência dos módulos solares, além de se diminuir o consumo de água, a erosão do solo e a evaporação.

Nos Países Baixos, por exemplo, projetos agrivoltaicos com painéis solares especiais (de vários níveis de transparência) contribuíram para o aumento da qualidade e quantidade de vários tipos de frutos silvestres.

Além disso, estes projetos também permitem que os pequenos agricultores recebam uma fonte de receita adicional, devido à instalação dos módulos solares.

É por esta forma criativa em reduzir emissões, produzir energia limpa e garantir a segurança alimentar que os projetos agrivoltaicos têm sido a aposta de vários países. A nível global, a capacidade instalada de sistemas agrivoltaicos tem crescido exponencialmente, saltando de 5 MWp em 2012 para 14 GWp em 2021.

Gostaria de destacar o exemplo de Itália, que é claramente o país que mais se evidencia nesta matéria. Recentemente, o Governo italiano anunciou que vai investir 1,1 mil milhões de euros na instalação de 2 GW de sistemas agrivoltaicos até 2030. Também criou uma agência pública para lançar uma rede de apoio a sistemas agrivoltaicos sustentáveis, com o objetivo de duplicar a capacidade solar instalada para os 50 GW em 2030 (está agora nos 25 GW).

A Aquila Clean Energy tem estado a apostar em Itália e tem hoje um portefólio de projetos solares em desenvolvimento de 2,5 GW neste país. Dos mais de 70 projetos que formam este portefólio, a esmagadora maioria, cerca de 90%, são projetos agrivoltaicos.

Deixamos aqui o repto para que Portugal possa avançar no mesmo sentido e possa criar as condições para acelerar o desenvolvimento deste tipo de projetos. Sendo um país com exposição solar de excelência, decidimos desenvolver um projeto-piloto de agrivoltaico na Central Solar de Cercal do Alentejo, em parceria com a Universidade de Évora, que permitirá identificar tanto as melhores práticas agrícolas disponíveis atualmente, como também as espécies mais adequadas para cultivar na área de implementação deste projeto. Este trabalho está a ser complementado com um levantamento da situação de referência da biodiversidade e dos solos neste território, ao abrigo de uma parceria com a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

É essencial que os Governos cumpram a sua parte. Portugal, em particular, tem um caminho a percorrer, designadamente através da simplificação dos processos de licenciamento e – porque não? – a disponibilização de pontos de ligação à rede para projetos inovadores, nomeadamente no domínio do agrivoltaico.

Além de tudo, será essencial aumentar o envolvimento dos agricultores e das comunidades locais nestes projetos. Só através da colaboração entre diversos agentes e diversas áreas é que conseguimos ultrapassar estas barreiras e desenvolver projetos inovadores capazes de criar maior benefício para todos. Afinal, a promessa do agrivoltaico é mesmo essa: gerar energia a partir de sinergias.

  • Manuel Silva
  • Head of Development & Construction da Aquila Clean Energy em Portugal

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