Há lugar para um P no ESG?

  • Maria de Almeida Alves e Madalena Rocha e Melo
  • 26 Maio 2021

Independentemente da letra onde se queira encaixar as preocupações em matéria de privacidade, certo é que encaixam no conceito de sustentabilidade.

Com o disseminar das tecnologias digitais nas décadas que se seguiram à revolução industrial, o mundo assistiu ao início de uma nova era – a Era Digital. É hoje inegável que a revolução digital tem vindo a transformar a forma como exercemos, protegemos – e, até, violamos – direitos básicos como a liberdade de expressão e o acesso à informação. Para além disso, estas transformações têm espoletado novas preocupações ao nível das organizações, designadamente quanto ao cumprimento de obrigações de compliance e de satisfação das exigências dos consumidores. Cada vez mais, as organizações têm vindo a ser impelidas a integrar na sua estratégia, matérias que se enquadrem nos fatores ESG (Environmental, Social, Governance, na sigla inglesa), desde logo, por exigência dos seus stakeholders – colaboradores, investidores, fornecedores e consumidores.

Mas onde entram os direitos digitais no meio de tudo isto? Há espaço para os direitos digitais no âmbito do ESG?

Ainda que a privacidade e o tratamento de dados não sejam as matérias mais tipicamente associadas aos temas ESG, ainda é menos consensual se devem estar integradas no “S” de Social ou no “G” de Governance.

Independentemente da letra onde se queira encaixar as preocupações em matéria de privacidade, certo é que encaixam no conceito de sustentabilidade. Basta pensar, por exemplo, em como as organizações asseguram a fidelidade dos seus clientes, na forma como respondem às solicitações de apagamento de dados e registos pessoais ou a reclamações apresentadas em plataformas digitais. Proteger a privacidade e informação recolhida dos diversos stakeholders de uma organização é trabalhar para assegurar a sustentabilidade do negócio a longo prazo pelo que antecipamos que não falte muito para que estas matérias passem a constar nos relatórios de sustentabilidade das organizações. Aliás, algumas organizações empresariais já incluíram reporte de informação sobre tratamento de dados e privacidade nos respetivos ESG Report de 2020 e algumas consultoras internacionais incluem estas matérias no âmbito de uma ESG due diligence.

Se há mais de 70 anos, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamava a Declaração Universal dos Direitos Humanos com um elenco de direitos humanos básicos, é hoje fundamental reconhecer a necessidade de proceder a uma extensão deste elenco aos designados direitos digitais, onde a União Europeia tem desempenhado um papel pioneiro. Nos últimos anos, assistimos à aprovação de diplomas legislativos como a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a Convenção 108 e o Regulamento Geral sobre Proteção de Dados, entre outros. Em 2020, a Comissão Europeia apresentou a designada Estratégia Digital da União Europeia que assenta fundamentalmente em três pilares: a tecnologia ao serviço das pessoas, uma economia justa e competitiva e uma sociedade aberta, democrática e sustentável.

A privacidade em ambiente digital, o direito ao esquecimento, o direito à informação e à proteção contra a desinformação, à proteção de perfis e a apresentar reclamações são alguns dos direitos constitucionalmente consagrados, aos quais foi dado particular destaque no âmbito da aprovação da Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital que entra em vigor a 18 de julho deste ano. Ainda que este diploma legislativo não tenha trazido propriamente a criação de novos direitos (pelo menos, nestas matérias), procurou conferir-lhes unidade e maior visibilidade, revestindo-os de uma nova dignidade.

Hoje é seguro dizer que a observação e cumprimento de legislação relativa a privacidade e tratamento de dados é uma matéria fundamental ao nível do compliance de qualquer organização. Mas poderemos ir mais longe? É que a privacidade, o tratamento de dados e as demais matérias em torno dos designados direitos digitais, atualmente, representam mais do que isso – espelham a forma como as organizações tratam o seu maior ativo – as suas Pessoas, incluindo todos nós, consumidores dos seus bens e serviços.

  • Maria de Almeida Alves
  • Advogada de Comunicações, Proteção de Dados e Tecnologia da VdA
  • Madalena Rocha e Melo
  • Advogada de Economia Social e Direitos Humanos da VdA

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