Habitação: Só a morte não tem solução
O problema da habitação nos centros urbanos precisa de conjugação de vontades, de respeito pela missão das diversas expressões da vivência comunitária e do mercado.
A subida dos preços da habitação nas duas principais cidades portuguesas releva para alguns milhões de portugueses. As propostas de soluções enunciadas são, maioritariamente, direcionadas para penalizar os ocupantes turísticos ou ocasionais e para impedir os investidores profissionais institucionais de constituírem portfolios de imóveis de habitação de rendimento. No primeiro caso, perturbando um dos principais motores da recuperação económica, no segundo, cerceando o aumento do mercado de arrendamento, através de medidas que pulverizam a propriedade, como acontecerá com a consagração do direito de preferência nos imóveis que não estão propriedade horizontal.
Apesar da latitude diversa dos territórios urbanos em causa, partilham um perfil de êxodo generalizado de muitos residentes ao longo de décadas, com graves consequências na constituição de cidades dormitório e de fortes movimentos pendulares diários.
Lisboa e Porto possuem um vasto património abandonado (terrenos e edifícios devolutos), ou não qualificado, por falta de condições económicas ou de vontade das partes. Territórios em que a crise económica de 2008 projetou, pela primeira vez, um aumento do mercado de arrendamento habitacional determinado pela situação do sistema bancário com pouca liquidez para acolher impulsos de crédito à habitação e pelos receios gerados na população pela instabilidade do mercado laboral e pelo reforço das situações de mobilidade, dentro e fora do território nacional.
Com a descida das taxas de juro, o regresso dos bancos ao financiamento ao crédito à habitação, aliados à descida do desemprego e recuperação económica, o quadro de referência dos portugueses mudou e por indução ou por vontade própria a vontade de comprar habitação própria regressou.
Neste renovado contexto a oferta, sujeita aos ritmos e aos ciclos mais longos impostos pelo processo de planeamento, aprovação e construção, evidencia duas dinâmicas diferenciadas consoante se trata de privados ou de entidades públicas.
Os privados têm previstos para os próximos tempos a comercialização de diversos projetos de promoção imobiliária, que colocarão no mercado milhares de fogos, existindo uma elevada carteira de novos projetos que aguardam aprovação municipal
As entidades públicas impulsionaram duas respostas que terão impactos positivos no mercado. O lançamento do concurso para a construção de cerca de 1000 fogos de habitação de arrendamento, em que uma parte significativa é destinada a casais jovens a preços acessíveis, e o lançamento do concurso público dos terrenos da Feira Popular que irão conter centenas de fogos.
Perante o desafio colocado, será necessário ainda um trabalho conjugado das entidades públicas para disponibilizar mais fogos do lado da oferta como forma de normalizar o mercado. Esse impulso mobilizador e de sinalização de vontade poderá passar por haver maior celeridade de aprovação dos vários projetos de licenciamento pendentes nas Câmaras, por idêntica agilização de processos por parte da Administração Central, pela disponibilização no mercado de múltiplos edifícios públicos, que estão totalmente desocupados, e pela racionalização dos espaços ocupados por serviços públicos no centro da cidade, que estão mais ocupados com arquivos do que com trabalhadores.
Este conjunto de medidas concretas do Estado nas suas diversas expressões implicaria o aumento da oferta, por forma a estabilizar os preços, o aumento da receita do Estado que, em parte, seria canalizada diretamente para diminuir a dívida pública, podendo a restante servir para a afirmação de uma visão solidária e para a desmaterialização dos arquivos. Com estes recursos, as autarquias locais poderiam apoiar os inquilinos idosos e desprotegidos que necessitassem de ajuda e a Administração Central aceleraria os processos de desmaterialização dos arquivos físicos do centro, libertando imóveis para as necessidades das comunidades.
O problema da habitação nos centros urbanos precisa de conjugação de vontades, de respeito pela missão das diversas expressões da vivência comunitária e do mercado e de uma ambição em mobilizar para solucionar. Como ficou provado, propostas existem, porque, afinal, só a morte não tem solução.
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