Litígios e contratação pública – diagnóstico correto/remédio errado

  • Pedro Cerqueira Gomes
  • 20 Janeiro 2020

Leia aqui o artigo de opinião do docente da Escola do Porto da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, Pedro Cerqueira Gomes, sobre litígios e contratação pública.

Recentemente, o Decreto-lei n.º 174/2019, de 13 de dezembro, procedeu à criação de juízos de competência especializada administrativa, para dirimir litígios de contratação pública, nos tribunais administrativos de círculo de Lisboa e do Porto. A presente alteração legislativa é de saudar, no que toca à identificação das patologias, porém deixa a desejar quanto à solução encontrada.

É verdade que a matéria da contratação pública é uma das áreas, no âmbito da jurisdição administrativa, com maior complexidade e volume de litígios e, consequentemente de pendências em Tribunal, sendo que era por demais evidente a ineptidão dos já “entupidos” tribunais administrativos de círculo para dirimir, em tempo útil, este feixe de demandas. Acresce que, em consequência das exigências do Direito da União Europeia, os litígios emergentes na fase do procedimento pré-contratual (contencioso pré-contratual) são processos urgentes, isto é, exige-se, quer às partes quer ao julgador, o respeito por prazos bastante curtos para a resolução final do litígio, uma vez que é intenção do legislador, nestas matérias, proceder à criação de um sistema de tutela preventiva. Assim, permite-se aos operadores económicos, em face de uma ilegalidade no âmbito do procedimento pré-contratual, recorrer a meios de tutela capazes de manter intacta a possibilidade de celebrar o contrato com a administração, através de uma suspensão do procedimento, em especial dos efeitos do ato de adjudicação, não permitindo, assim, à administração executar o contrato até que o processo se encontre decidido.

Ora, este ritmo processual urgente obriga, repito, a que estes litígios sejam dirimidos de forma célere, conforme os prazos previstos na lei, prazos estes que não são respeitados pelos tribunais administrativos, provocando especiais prejuízos na satisfação do interesse público que, muitas vezes, fica “suspenso” e falha em assegurar uma proteção real aos concorrentes, pois, quando o diferendo é solucionado, já não existe interesse, por parte do operador económico, em executar o referido contrato, uma vez que já passaram um, dois ou, por vezes, três anos.

A morosidade da jurisdição administrativa, em especial dos tribunais administrativos, é resultado de uma manifesta falta de meios técnicos e humanos provocada por um gritante “desinvestimento” nos nossos tribunais. É certo que algumas medidas de cosmética, ou, melhor, quase paliativas, têm sido adotadas neste campo, mas não chega! Assim, estas motivações de ordem orgânica poderão levar-nos a concluir que os tribunais administrativos, sejam de círculo, sejam de competência especializada, não estão aptos a instituir uma verdadeira tutela urgente e preventiva, pois os juízos de competência especializada vão encontrar os mesmos óbices orgânicos, relacionados com a falta de meios técnicos e humanos.

A solução, isto é, a cura para os obstáculos de complexidade e pendências na contratação pública, poderá passar pela arbitragem necessária e institucionalizada ou pela criação de entidades administrativas com poderes para-judiciais. Olhando para os nossos congéneres europeus que lidaram com o mesmo problema, a solução arbitral encontra inúmeros óbices, designadamente a falta de estabilidade e indesejável diversidade das decisões arbitrais, resultado de um número bastante vasto de árbitros selecionáveis, gerando grande incerteza jurídica. Assim, países como a Espanha e a Dinamarca, entre outros, adotaram um modelo onde os litígios, em primeira instância, são dirimidos por órgãos administrativos independentes com poderes para-judiciais, ou seja, órgãos não jurisdicionais.

Dados estatísticos apontam que em Espanha e na Dinamarca, esta solução, quando corretamente desenhada, ou seja, desde que seja assegurada a independência e um processo de seleção exigente dos decisores, garante uma estrutura orgânica eficaz, assegurando a materialização de uma verdadeira tutela célere e preventiva no âmbito dos litígios pré-contratuais e, assim, uma cura verdadeiramente eficaz.

*Pedro Cerqueira Gomes é docente da Escola do Porto da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa.

  • Pedro Cerqueira Gomes

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