Maria Leal e o romeiro de Garrett
Maria Leal não é a culpada da perversão da imprensa e televisão, é apenas um exemplo de como a mediocridade se está a superiorizar aos temas substantivos.
Já todos conhecem a história da freira que não se dava bem com os ditames religiosos de um convento e seguiu para governanta de um ex-oficial, viúvo, com sete filhos. Nesses prados verdes de “Música no Coração”, filme de Robert Wise, a personagem de Julie Andrews, Maria, enchia a alma cantando “The sound of music” e, com a sua alegria e bondade, encantava a família Von Trapp, transformando-se numa das mulheres mais populares e inspiradoras da história do cinema.
Por seu turno, infelizmente, poucos se recordam de uma grande figura portuguesa dos finais do século passado, Paulo Guilherme d`Eça Leal. Homem de cultura, escritor, realizador, cenarista, artista plástico, que colaborou com diversos jornais e ganhando prémios de artes plásticas e publicidade. Menciono-o, pois uma história nada inspiracional e de encantar que envolve mais uma Maria que canta o trouxe para a ribalta por maus motivos, que têm a ver com a delapidação da herança que deixou ao seu filho. Um jovem doente e frágil que, alegadamente, se deixou levar por essa mulher que dizia que tinha menos dez anos do que revelava o BI. Desta ignóbil história pouco me interessa, não faço julgamentos pois não sou juiz, sendo apenas mais um retrato da miséria humana que vem ocupando espaço na arena mediática que por inúmeras vezes se vem tornando uma batalha na lama.
O que importa retirar deste caso é que vem entroncar no meu artigo da semana passada que se intitulava: “A idolatria da estupidez”. Onde, se bem se lembram, como diria Vitorino Nemésio noutros tempos da RTP, escrevia como a bizarria se sobrepôs à qualidade e a vacuidade impôs-se à substância. Aí dizia: «hoje, celebra-se sem vergonha a mediocridade e a superficialidade, qualquer grunho que berre mais alto ou solte enormes alarvidades é o novo xerife numa terra sem rei nem roque. Esses, esquecem-se que se criam com imensa rapidez ídolos com frágeis pés-de-barro, que do clímax do triunfo passam ao ocaso após o apedrejamento nas redes sociais no tempo em que o Diabo esfrega um olho». Ora, Maria Leal, a “artista” principal desta história espúria surgiu do nada, criada após uma “performance” idiota num programa para domésticas que as redes sociais promoveram, gozando com o disparate. A partir daí, desse estrelato digital, teve o mérito de agarrar no seu boneco e somar contratos cantando em discotecas e festas universitárias. Uma forma de vida, não a condeno por isso. A internet deu, a internet apedrejou, também é uma lei que esta senhora não pode esquecer. O que sei é que ali reside muito pouco talento e, em termos da comunidade, representa muito pouco e não é notícia de interesse geral.
Logo, na sexta-feira, quando uma televisão de referência, a SIC, que deve ser uma reserva de qualidade para uma audiência racional, onde tenho amigos e grandes profissionais lá trabalham, abre o seu principal serviço informativo, o Jornal da Noite, com «Vidas Suspensas- Maria Leal desmente acusações do ex-marido», penso que caímos mesmo nessa idolatria da estupidez e raros são agora os tempos em que o “gate-keeper” dos media separa o trigo do joio, caindo na entronização do “infotainment” onde as “soft news” narcotizam as audiências com assuntos que não interessam à sociedade. Maria Leal não é a culpada da perversão da imprensa e televisão, é apenas um exemplo de como a mediocridade se está a superiorizar aos temas substantivos. Ela, como tantas outras nulidades que passeiam pelos media, se lhe perguntassem como ao romeiro no “Frei Luis de Sousa”, de Almeida Garrett, «quem és tu?». Teria sinceramente de responder como ele: «Ninguém».
O autor escreve na antiga ortografia
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