Mercados voluntários de carbono: um flop?
Estamos a falar de mercados voluntários de carbono e das meias verdades que se vão contando quanto à real redução da pegada de carbono por parte de grandes grupos empresariais.
Ainda na ressaca de uma visita a uma exposição de arte abstrata, dei comigo a pensar em sustentabilidade. Entre outras virtudes, reconheço-lhe o mérito de me conseguir levar a fazer associações, muitas vezes, pouco óbvias.
Por analogia, considero todo o enquadramento teórico e prático da sustentabilidade confuso, muito dado à subjetividade, distanciando-se profundamente de qualquer ponto de referência objetivo, sobretudo da evidência científica.
Podia falar-vos da diferença entre ESG e sustentabilidade, ou mesmo da paródia na classificação de fundos de investimento como sustentáveis, mas o que aqui me traz, é um tema ainda mais específico dentro deste mundo, mercados voluntários de carbono.
Quanto a este assunto, foi publicado pelo The Guardian o artigo “Revealed: more than 90% of rainforest carbon offsets by biggest provider are worthless, analysis shows”, que apresenta fortes contestações sobre a real eficácia destas soluções.
Em resumo, estamos a falar de mercados voluntários de carbono e das meias verdades que se vão contando quanto à real redução da pegada de carbono por parte de grandes grupos empresariais.
Neste tipo de mercados emitem-se créditos a projetos cujo propósito se centrará na remoção de gases de efeito de estufa. Como? A reflorestação, é um destes exemplos. Assim, uma fábrica que numa situação em que já não consiga reduzir as suas emissões de modo eficiente, ou que pretenda ir para lá do “net-zero”, pode concretizar iniciativas desta natureza, cuja ação (espera-se), compense a sua pegada carbónica.
Ou seja, na prática, uma entidade pode emitir carbono para a atmosfera, mas os projetos de reflorestação que esteja a dinamizar irão gerar uma compensação.
Ao contrário da opinião do autor do artigo acima referenciado, que basicamente destrói este tipo de soluções, acredito nelas, e não consigo deixar de pensar sobre o quanto podiam ser importantes na revitalização do interior de Portugal, ainda assim e como o próprio Banco mundial reconhece, temos de promover um debate significativo sobre como garantir a qualidade e integridade dos créditos de carbono, as quais estão ligadas ao chamado contrafactual.
Mas o que é isso? De um modo simples, digamos que aos resultados apurados, deveremos descontar aquilo que efetivamente teria acontecido se nada tivéssemos feito. Deste modo, evitamos a contabilização de benefícios na esfera de quem cuja ação se revelou inócua.
Procura-se deste modo um efetivo valor acrescentado, ou se quiserem, um verdadeiro impacto positivo e não somente um faz de conta, cujos departamentos de comunicação mascaram e inundam nas redes sociais e meios de comunicação.
Satisfaz-me que a comissão europeia já esteja a trabalhar sobre o tema, bem como outras organizações como a “Integrity council for the voluntary carbon market”, cujos desenvolvimentos serão conhecidos em 2023.
A participação de cada vez mais agentes neste processo, traz mais escrutínio, transparência e menor abstração, entenda-se subjetividade. Por isso, e no que concerne a Portugal, saúdo a aprovação de uma moção na última convenção da Iniciativa Liberal sobre a “Liberdade sustentável”. Espera-se que esta dimensão ambiental acabe por se tornar uma bandeira, tal como tem sido noutros partidos políticos, menos adeptos deste tipo de soluções no âmbito do ecossistema dos mercados. No caso dos liberais, haverá com certeza a enfatização dos elementos virtuosos da economia de mercado e os devidos contributos para o aperfeiçoamento dos seus mecanismos.
Espero que os mercados voluntários de carbono estejam na agenda, que haja uma abordagem construtiva do tema e assim se evite a destruição de algo que tem pernas para andar, não o condenando a ser efetivamente um flop.
E já agora, quanto ao abstracionismo, espreitem lá o quadro Black Spot I do Kandinsky (1912). Não vos parece uma boina basca?
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