Mistério

  • Maria do Rosário Epifânio
  • 8 Agosto 2023

As tendências dos processos insolvenciais e (sobretudo) pré-insolvenciais continuam um mistério por explicar entre os estudiosos do Direito da Insolvência.

Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde qualificou a emergência de saúde pública ocasionada pela doença COVID-19 como uma pandemia internacional, constituindo uma calamidade pública. As restrições ao exercício das atividades económicas e à livre circulação de pessoas fizeram temer uma avalanche de insolvências e processos recuperatórios. A verdade é que, contra todos os vaticínios de insolvências em massa, o número de processos de insolvência/recuperação entrados nos nossos tribunais estagnou em plena crise sanitária. No quarto trimestre de 2020, entraram 2.722 processos de recuperação/insolvência nos nossos tribunais, cifra que se aproxima dos níveis de 2010 e que está muito longe do número histórico de 2012 (5.406), e baixando para 2.475, no período homólogo de 2021 (os dados constantes do presente texto foram recolhidos do Destaque Estatístico Trimestral, n.º 111, de abril de 2023, da Direção Geral da Política de Justiça). Talvez a explicação resida no efeito anestésico das moratórias, dos apoios à economia (o regime de lay-off simplificado, bem como os programas de apoio à retoma e normalização da atividade empresarial) e da intermitência entre abertura e fecho da economia (maxime os setores que gravitam em torno do turismo).

Em 24 de fevereiro de 2022, a Rússia invadiu a Ucrânia. Segundo o relatório anual de 2022 do Banco Central Europeu (BCE), “uma série, sem precedentes, de choques negativos do lado da oferta, causados por perturbações das cadeias de abastecimento decorrentes da pandemia, pela invasão injustificada da Ucrânia pela Rússia e pela subsequente crise energética. Em resultado, os custos dos fatores de produção aumentaram significativamente para todos os setores da economia. Segundo, verificou-se um choque positivo do lado da procura, desencadeado pela reabertura da economia após a pandemia, o que permitiu às empresas refletirem os custos crescentes nos preços de forma muito mais rápida e forte do que no passado”. Tocam de novo os sinos da insolvência? Sim, mas desta vez os números crescem (embora de forma pouco expressiva).

No quarto trimestre de 2022, registou-se uma entrada de 2.682 processos de insolvência/recuperação, que correspondeu a um acréscimo de 211 processos face ao quarto trimestre de 2021 (um aumento de cerca de 8,5%), mas ainda distante dos números pré-pandemia (3.022) e do máximo registado no quarto trimestre de 2014 (5.087).

Quanto aos processos recuperatórios pré-insolvenciais, a tendência é a oposta. Começando pelos processos especiais de revitalização, entraram 75 processos (menos 12 do que em período homólogo de 2021 e menos 30 do que em 2020), número bem distante do boom de 2015 (em que se registaram 796 entradas, em período homólogo).

Por último, quanto aos processos especiais para acordo de pagamento, no final do quarto trimestre de 2022, entraram 84 processos (113 em período homólogo de 2021), confirmando uma tendência de descida desde 2018 (ano em cujo quarto trimestre entraram 136 processos).

Em suma, as tendências dos processos insolvenciais e (sobretudo) pré-insolvenciais continuam um mistério por explicar entre os estudiosos do Direito da Insolvência. Será esta acalmia um bom presságio ou, pelo contrário, aproximam-se ventos de mudança? O futuro o dirá.

  • Maria do Rosário Epifânio
  • Docente da Escola do Porto da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa

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