
Ninguém queria eleições? Desenganem-se dessa ideia
A ideia que fica é que foi uma encenação, ou melhor, três encenações por partidos que já sabiam que queriam ir para eleições, mas não o queriam admitir.
Um dos aspetos mais enervantes (para usar um eufemismo) da atual e lamentável crise política é que os principais atores políticos tentaram iludir-nos com truques de magia. Não olhem para a Spinumviva porque o importante é a Volkswagen, disseram os governantes, aplicando o clássico misdirection. Não censuramos, mas também não confiamos, disseram os socialistas, tentando o truque de estar em dois sítios ao mesmo tempo. É tudo corrupção, é tudo corrupção, repetiu o Chega para nos hipnotizar até às urnas.
A maior e mais recorrente ilusão foi, no entanto, que não queriam eleições. Essa vontade pode ter sido genuína até certa altura. Acredito que Luís Montenegro estava consciente que, com uma maioria parlamentar tão frágil, a prazo teria de arranjar um pretexto para provocar novas legislativas e aproveitar os resultados do Governo para reforçar o poder. Mas também acredito que não seria para agora, pois ainda precisava de acumular esses sucessos e certamente não quereria ir para eleições provocadas por um escândalo tão centrado no seu próprio comportamento.
Pedro Nuno Santos teve de ir a correr para as legislativas de 2024 depois de ganhar o partido, mas queria mais tempo para consolidar o projeto e a máquina socialista, ao mesmo tempo que fazia sofrer o Governo com oposição mais aguerrida e as chamadas ‘coligações negativas’. André Ventura sublinhou que ninguém quer eleições antecipadas e que podiam ser evitadas. Apresentou uma moção de censura, mas sabia que estava condenada, e provavelmente quereria que o tempo ajudasse a esquecer os escândalos que afetaram o partido neste início de ano.
Até aqui tudo, bem. Mas quando a polémica da família empresarial de Montenegro escalou com a notícia da avença do grupo Solverde, as intenções mudaram. Ventura, apesar dos problemas internos, vê sempre eleições como oportunidade para crescer a representação parlamentar e, pelo menos, atirar pedras ao arco da governação, que considera corrupto.
O PS, depois de uma alguma hesitação, avançou para uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) com perfeita noção de que era um passo que aumentaria a probabilidade de irmos para eleições. O risco de castigo pela inércia tornou-se mais importante que o timing. Montenegro, cercado por uma CPI e analisado pela PGR, esboçou a fuga para a frente com uma moção de confiança que tinha elevadíssimo risco de ser chumbada e levar a novas legislativas.
O problema é que embora as posições possam ter sido dinâmicas – o que é normal na vida política – passando as eleições de um incómodo para uma necessidade, a mensagem ficou igual. Ou melhor, mudou ligeiramente para: nós não queremos eleições, mas vocês é que são os culpados se forem convocadas. Foi agoniante ver esse jogo da culpabilização no debate da moção, pleno de desafios, ameaças, chantagens e tentativas de diversão.
A ideia que fica é que foi uma encenação, ou melhor, três encenações por partidos que já sabiam que queriam ir para eleições, mas não o queriam admitir. O exemplo máximo disso é a atabalhoada tentativa da AD de inovar com uma micro-CPI, que nunca iria ser aceite por ninguém.
Pior ainda, além de nos iludir, os três partidos usaram-nos como desculpa: os portugueses não querem eleições. Tenho certeza que muitos portugueses, incluindo eu, não querem eleições. Mas, primeiro, não compete aos líderes políticos concluir e usar isso. Segundo, todos sabemos que há coisas que não queremos mas que temos de tomar, como medicamentos. Terceiro, não é assim tão claro – uma das sondagens divulgadas esta semana (a do DN) até mostrava 59% dos inquiridos a escolherem as eleições como melhor solução para o país.
E o que é que isto tudo nos deixa antever? Não nos iludamos, infelizmente vai ser uma campanha baseada em trocas de culpas em vez de trocas de ideias e projetos, protagonizada por um trio de artistas políticos que, na ausência de outros talentos, vão continuar a tentar tirar os mesmos coelhos da cartola para colher os nossos aplausos.
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