Novo conceito de “despesas com pessoal” e suas consequências
Saudamos a revogação de uma posição que sempre considerámos ilegal, mas ao mesmo tempo parece-nos urgente que definitivamente a AT afete meios.
A autoridade Tributária (“AT”) emitiu uma orientação genérica para aplicação das normas tributárias através da qual inverteu a sua posição quanto ao conceito de “despesas com pessoal”.
É relevante para efeitos do cálculo do montante de custos ou perdas aceites num determinado exercício fiscal, respeitantes a encargos de utilidade social (seguros de acidentes pessoais, de vida, de doença ou saúde, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social a favor dos seus trabalhadores) suportados pelas empresas em benefício do seus trabalhadores.
A norma que prevê a dedução destas despesas como custo do exercício (art.º 43º, n. 2), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas refere que “são igualmente considerados gastos do período de tributação, até ao limite de 15 % das despesas com o pessoal contabilizadas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao período de tributação, os suportados com a) contratos de seguros de acidentes pessoais, bem como com contratos de seguros de vida, de doença ou saúde, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente, o benefício de reforma, pré-reforma, complemento de reforma, benefícios de saúde pós-emprego, invalidez ou sobrevivência a favor dos trabalhadores da empresa; b) contratos de seguros de doença ou saúde em benefício dos trabalhadores, reformados ou respetivos familiares.
A AT entendia que as “despesas com pessoal contabilizadas a título de remunerações, ordenados ou salários” referidas na norma e que constituem a base de calculo do limite da dedutibilidade destes encargos seriam apenas as sujeitas a contribuições obrigatórias para a segurança social ou outro regime contributivo.
A interpretação até agora vigente da AT tinha como consequência aumentar o valor do IRC devido, já que diminuía a base de calculo da percentagem aceite como custo fiscal. Inversamente, a posição da jurisprudência possibilitava uma maior dedução de custos a título de realizações de utilidade social e, por isso, resultava em menos imposto a pagar pelos contribuintes.
Porque foram necessários tantos anos de decisões judiciais desfavoráveis, com os custos inerentes de litigância, quer para o Estado quer para os contribuintes, para que a AT viesse finalmente reconhecer a evidência?
A AT tem mostrado alguma incapacidade de manter departamentos internos que analisem em tempo útil a pertinência das suas posições e as compatibilizem com as que se vão consolidando na jurisprudência dos tribunais superiores. A insuficiente coordenação neste domínio tem ainda uma outra vertente traduzida no facto da AT estar obrigada a rever oficiosamente os atos de liquidação que tenha praticado com base em erro que lhe seja imputável.
Efetivamente, a Lei Geral Tributária (art.º 78º) vem estabelecer que a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa da AT, no prazo de 4 anos após a liquidação, ou a todo o tempo, se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
Este instituto da revisão oficiosa constituiu uma concretização do dever da AT de revogar atos ilegais nas hipóteses em que ocorram erros nas liquidações que se traduzam na arrecadação de imposto em valor superior ao legalmente previsto. Os princípios da justiça igualdade e legalidade impõem essa correção.
Assim, e no sentido de devolver o imposto liquidado em excesso aos contribuintes recai sobre a AT a obrigação de providenciar por sua iniciativa, a correção de todas as liquidações que tenha efetuado em contradição com a atual interpretação do conceito de “despesas com pessoal” – “todas as despesas que devam ser escrituradas como “remunerações ordenados ou salários” “não se vislumbrando na lei outro critério que permita considerar apenas as despesas que sejam objeto de desconto para a segurança social”.
Mas caso não o faça, também os contribuintes que tenham sido prejudicados por liquidações adicionais de imposto nos últimos 4 anos, podem desencadear a referida iniciativa de revisão oficiosa, impugnar judicialmente a omissão da mesma e o ato de liquidação de imposto em si, e assim recuperarem as quantias pagas em excesso.
Em suma, saudamos a revogação de uma posição que sempre considerámos ilegal, mas ao mesmo tempo parece-nos urgente que definitivamente a AT afete meios e dê prioridade à análise, coordenação, interpretação da lei tributária e a sua aplicação compatível com as orientações cada vez mais céleres e assertivas da jurisprudência, para que se caminhe no sentido da diminuição da litigância e prevaleçam os valores da segurança e da confiança dos contribuintes no sistema fiscal.
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