O 5 de outubro na Justiça
Um desses casos ocorreu com a constituição de um advogado como arguido e as buscas realizadas ao seu escritório, no âmbito da denominada “Operação Cheque In".
O 5 de outubro é um momento de celebração da República e dos valores que a fundam — liberdade, igualdade, justiça e responsabilidade. Mas é também um tempo de reflexão sobre o estado das nossas instituições e sobre a forma como estão — ou não — a cumprir a Constituição.
Mais do que um feriado nacional, o Dia da Implantação da República deve servir de ponto de partida para uma análise séria da saúde do nosso Estado de Direito. E a verdade é que, nos últimos tempos, a Justiça portuguesa tem sido abalada por acontecimentos que minam a confiança dos cidadãos e colocam em causa o regular funcionamento das instituições.
Um desses casos ocorreu com a constituição de um advogado como arguido e as buscas realizadas ao seu escritório, no âmbito da denominada “Operação Cheque In”, relacionada com a indemnização paga a uma antiga administradora da TAP.
Não se questiona a legitimidade de constituir advogados como arguidos quando tal se justifica. O que se contesta é o uso deste expediente em situações que dizem respeito exclusivamente ao exercício da profissão de advogado, as quais, não raras vezes, terminam sem qualquer acusação ou condenação. Casos como este abalam o respeito pelo sigilo profissional e lançam um perigoso precedente.
A advocacia não está — nem pode estar — acima da lei, mas também não pode ser colocada abaixo dela.
Outro episódio igualmente preocupante é o da investigação ao juiz Ivo Rosa. Durante três anos, foi alvo de um inquérito baseado numa denúncia anónima, que acabou arquivado por alegada “inconsistência” e falta de “credibilidade” da denúncia. O caso apenas foi do conhecimento geral – e do próprio magistrado visado – através de uma reportagem televisiva. Este caso levanta dúvidas profundas sobre o modo como são conduzidas certas investigações pelo Ministério Público, e sobre o equilíbrio entre o princípio do inquisitório e o respeito pelas garantias individuais.
Não é preocupante apenas porque envolve um juiz — seria igualmente grave se se tratasse de qualquer outro cidadão. O essencial é que num Estado de Direito não pode haver investigações prolongadas e ocultas, sem transparência nem fiscalização. Afinal, quem guarda os guardas? A investigação decorreu integralmente no Ministério Público, sem escrutínio externo — e isso deve merecer atenção e responsabilidade institucional.
Estes casos não são meros episódios isolados. Revelam fragilidades estruturais e culturais do nosso sistema de justiça. São sintomas de uma disfunção que ameaça os fundamentos da República: a separação de poderes, a confiança dos cidadãos e o respeito mútuo entre instituições.
A advocacia continuará a defender o sigilo profissional, a dignidade da profissão e os direitos fundamentais dos cidadãos — não por corporativismo, mas por dever constitucional. Porque uma justiça que ignora o papel da defesa deixa de ser justiça.
Neste 5 de outubro, não basta comemorar a República. É tempo de a honrar, garantindo que a Justiça serve os cidadãos e respeita os seus direitos.
Reconstruir a confiança na Justiça é, hoje, a forma mais verdadeira de celebrar a República.
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