O emprego público cresce, mas sem estratégia
O número de funcionários públicos vai aumentando sem que se consiga perceber a relação custo-benefício. Sem estes dados,f icamos submetidos ao cálculo eleitoral do PS.
A empregabilidade no Estado está em forte crescimento e em Junho passado superou o nível registado em 2011. A trajectória não surpreende. A aposta no emprego público constitui imagem de marca do PS, encontrando-se espelhada no Programa de Estabilidade 2021-2025. Nele se afirma que “ao longo dos últimos três anos, entre 2018 e 2020, registou-se um substancial crescimento da massa salarial no valor de 2.358 milhões de euros, correspondendo a uma variação acumulada de 11%, ou seja, uma taxa média de crescimento anual de 3,5%, registando-se também um aumento da proporção das despesas com pessoal no PIB em 0,8 p.p.” (p.45). No mesmo documento, acrescenta-se ainda que “nos anos 2022 a 2025, prevê-se um crescimento das despesas com pessoal muito significativo, em torno de 3%, indo ao encontro do inscrito no Programa do Governo” (p. 46). Num Governo que não costuma primar pela transparência, mais claro do que isto não poderia ser. Não será por acaso. São 731 mil votos (and counting…) que estão em causa.
De acordo com os dados divulgados pela Direcção Geral da Administração e Emprego Público (DGAEP), o saldo de entradas menos saídas nas administrações públicas tem sido positivo desde 2015. A tendência foi-se reforçando à medida que o PS foi “esquecendo” as regras implementadas durante a troika, a fim de travar a despesa pública com pessoal (que em percentagem do PIB continua, ainda hoje, a exemplo de 2011, a ser superior à média da zona euro). Mas com a troika longe, em 2020 o emprego público atingiu um número de quase 20 mil novas entradas. Seis meses depois, em Junho de 2021, o saldo contabilizava mais 12 mil novas entradas. Muito provavelmente, o número final de 2021 vai mesmo superar a fasquia de 2020 e até 2025 novas entradas concretizar-se-ão. Segundo as contas do Governo, do acréscimo total de despesas com pessoal previstas entre 2021 e 2025 mais de 60% serão resultado de contratações e outras variações remuneratórias; já as progressões e promoções representarão cerca de um quarto do acréscimo previsto.
O problema associado ao crescimento do emprego público em Portugal é que continuamos sem perceber a estratégia que o precede. Valorizar e requalificar o emprego público são argumentos que ficam bem em qualquer caderno eleitoral. Mas são argumentos que, para além de genéricos e vazios, facilmente esbarram na realidade dos números. Por exemplo, na comparação com o período homólogo, a carreira na função pública que mais cresceu em número de empregados em Junho foi a dos assistentes operacionais, precisamente a carreira menos qualificada e mais mal paga.
Como já tive oportunidade de escrever noutra ocasião, o desafio estrutural da administração pública está na incorporação da digitalização na provisão dos serviços públicos. Ainda esta quarta-feira, a RTP passava no telejornal o caso de um senhor de idade, obrigado a preencher um formulário para solicitar um novo médico de família, depois de o anterior médico de família se ter reformado. Numa administração pública digitalizada, isto não teria lugar.
O caso dos médicos de família reflecte um outro problema que não se resolve só com a abertura de novos concursos para contratação de clínicos, nem com a simples subida das remunerações oferecidas. Em Portugal, há mais de um milhão de pessoas sem médico de família. O problema é de tal ordem que a sua resolução exige descentralização e concorrência. Por um lado, seria necessário dotar as entidades de saúde de autonomia na contratação de recursos humanos, e tornar as administrações dessas entidades efectivamente responsáveis pela sua gestão. Mas mais importante ainda seria comparar a produtividade dos centros de saúde com as unidades de saúde familiar, ambas no sector público, e aquelas duas com a alternativa da contratação do serviço no sector privado. Os críticos da solução privada costumam apontar ao Estado uma alegada incapacidade de regulação dos incentivos atribuídos aos privados. Mas se assim é, que razão nos leva a crer que o Estado, incompetente para regular uma actividade que antes de mais tem de conhecer, é depois competente a gerir e a contratar no âmbito dessa mesma actividade?
Continua a existir um distanciamento entre a organização da administração pública e os utilizadores dos serviços públicos. Para este efeito, a digitalização poderia encurtar distâncias, até mesmo na saúde através da telemedicina (que acabará também por generalizar-se). Mas antes seria necessário identificar os serviços aos quais as pessoas recorrem, as dificuldades concretas que encontram, e reorganizar os serviços na óptica do utilizador com as tecnologias adequadas. Esta forma de trabalhar permitiria identificar lacunas específicas, indo de encontro aos problemas, e permitiria também comparar modos distintos de provisionamento dos serviços públicos. Todavia, o que se vai vendo é a ausência de estratégia.
O número de funcionários públicos vai aumentando sem que se consiga perceber a relação custo-benefício, em face do trabalho desenvolvido ou por comparação à alternativa da prestação privada. A análise destas escolhas deveria resumir-se às preferências dos eleitores e à melhor utilização do dinheiro dos contribuintes. Na sua ausência, ficamos submetidos ao cálculo eleitoral do PS.
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