O Estadista e o outro

Os princípios morais que regem Costa e o seu partido ficaram bem patentes nos episódios mais marcantes da sua liderança. Já o percurso de Boris Johnson mostra o que é liderar em democracia.

Estamos em plena comemoração dos 650 anos da aliança entre Portugal e o Reino Unido (programa de comemorações organizado por privados aqui), a mais antiga entre nações livres que continua activa e que foi, é e, com certeza, será fundamental para a nossa soberania.

A acreditar em frases das Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN), em discussão no parlamento, haverá no nosso país uma festa de arromba no âmbito das comemorações: “Portugal está empenhado numa aliança renovada com os Estados Unidos e o Reino Unido na defesa da ordem internacional …, no reforço da comunidade ocidental e na consolidação dos vínculos … entre o conjunto das democracias» ou «As relações de aliança com os Estados Unidos e o Reino Unido são cruciais para a defesa de Portugal”.

Qual é então o calendário de eventos que o governo preparou para o comemorar devidamente? Bem, na página “on-line” do governo nada é referido, parecendo haver uma enorme indiferença. Na secção dos Negócios Estrangeiros também não, apesar de o ministro ter uma mãe inglesa. E na do Ministério da Defesa Nacional o assunto é totalmente ignorado.

O que se passará? Será que em resposta aos redobrados esforços do Embaixador do Reino Unido em Lisboa para destacar o acontecimento, o governo português irá convidar alguma personalidade britânica para vir a Portugal e associar-se às comemorações? Parece que não.

Perante o desinteresse e a ausência do governo português, deixo uma sugestão: convidar Boris Johnson. Boris saiu do parlamento britânico na passada sexta-feira, onde esteve desde 2001, com interrupção para ser “mayor” de Londres. Foi jornalista em alguns dos mais prestigiados órgãos de comunicação social e, presentemente, está livre de compromissos. Mais importante, é um verdadeiro democrata e defensor da liberdade, que sabe não serem valores negociáveis, e agiu sempre de acordo com esses princípios. Seria uma excelente escolha.

É verdade que é polémico e, por vezes, acusado de ter falhas de carácter, mas um dos motivos é por não tentar agradar a todos. As realizações do seu governo falam por si. Em três anos como chefe de governo obteve quatro resultados com importância histórica para os britânicos:

  1. Resolveu o Brexit, tirando o assunto de um impasse provocado pelo parlamento do seu país e pela Comissão Europeia que poderia ter sido um sério problema para os britânicos.
  2. Colocou a primeira vacina contra o Covid em uso imediato e em grande escala, beneficiando da capacidade de inovação da indústria farmacêutica britânica e sendo o seu país o mais rápido a vacinar toda a população que quis ser vacinada.
  3. Apoiou desde o início, meses antes da guerra ter deflagrado e sem condições prévias, a luta da Ucrânia pela sua soberania, percebendo que o que estava e está em causa é a liberdade dos europeus. Macron e Scholz demoraram tempo a perceber e tergiversaram muito. Biden hesitou até perceber que teria de apoiar a Ucrânia se não queria agravar os problemas causados por uma Rússia que quer, por todos os meios, recuperar a sua posição de destaque no Mundo.
  4. Abriu ainda mais o Reino Unido ao exterior, aprofundando a sociedade aberta que sempre foi a Grã-Bretanha e contrariando a tendência europeia de “viragem para dentro”. Assinou largas dezenas de tratados com países de todas as regiões do Mundo e, especialmente com a zona do Pacífico, para onde se está a deslocar o centro do sistema mundial.

Boris foi desalojado do poder porque fez algo que não era aceitável: participou num beberete com os seus colaboradores enquanto os britânicos estavam em confinamento obrigados pelas regras definidas pelo governo que liderava. Por este seu erro pagou caro e, note-se bem, porque o seu próprio partido assim o exigiu. E a razão foi, acima de tudo, de carácter moral.

Este percurso de estadista mostra o que é liderar em democracia e realizar e alcançar objectivos em nome de população que elege a classe política, e é também uma clara indicação de que há valores e regras que devem ser respeitados e limites morais no comportamento dos líderes.

Este é um bom exemplo para António Costa, mesmo sabendo que será difícil encontrar duas personagens mais distintas. Mas compare-se aquele percurso com oito anos de poder socialista e o funcionamento da democracia nos dois países. As atitudes e os princípios morais que regem Costa e o seu partido ficaram bem patentes nos episódios mais marcantes da sua liderança:

  1. Portugal entrou em quase bancarrota em 2011, não havendo dinheiro para o essencial como pagar salários ou pensões aos reformados portugueses, e tendo o país passado por enormes dificuldades. Qual foi a atitude moral do actual primeiro-ministro? não só nunca reconheceu nada como convidou alguns dos responsáveis pela bancarrota para o governo e ainda se especializou em passar culpas para outros (como na privatização da TAP). E a reacção do seu partido? entusiasmo pelo comportamento do primeiro-ministro e negação de qualquer responsabilidade dos deputados que aprovaram as medidas que levaram o país à bancarrota.
  2. José Sócrates, ex-primeiro-ministro foi preso por ter abusado do poder e desfalcado os portugueses. Moral do primeiro-ministro? À justiça o que é da justiça, e não se pode falar do assunto porque está na justiça. E do partido? apoio inicial dos deputados socialistas na defesa do ex-primeiro ministro, negando qualquer crime e receando consequências para os seus lugares, e quando as evidências se tornaram impossíveis de negar, silencio total sobre o assunto.
  3. Aliança com partidos comunistas antidemocráticos e defensores de regimes sem liberdade para poder governar, apesar de ter obtido menos votos dos portugueses do que o partido mais votado nas eleições. A moral de Costa foi simples: todos os meios justificam o fim de alcançar o poder. Essa foi também a moral que imperou no Partido Socialista.
  4. Incêndios ocorridos em 2017 onde morreram 115 portugueses. Qual a atitude moral de Costa? Ninguém no governo teve culpa e por isso não há responsabilidade moral, nem sequer política. Reacção do partido: palmas dos deputados socialistas para o governo, em especial para a ministra responsável pela protecção civil. Em recompensa por ter protegido Costa de responsabilidade nos incêndios e pelas falhas que teve, a ministra foi convidada para o Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informação. Um lugar ideal para quem defenderá o primeiro-ministro sempre que for necessário, como se viu no caso do SIS. Os socialistas rejubilam.
  5. Imposição de um confinamento draconiano à população, excepto para as “elites”, como o próprio António Costa, comemorar o 25 de Abril. A moral socialista é que os valores da liberdade e da democracia foram mais válidos para uns do que para outros. Agora que não há confinamento, também não há comemorações da aliança luso-britânica.

Cinco episódios que são reveladores da atitude, dos princípios e da inoperância decisória do líder e do partido que o apoia, e que mostram como o poder é encarado. Por aqui percebemos porque é que os socialistas só gostam de festas onde possam convidar ex-presidiários e ditadores de língua portuguesa e nunca convidarão Boris Johnson. É essa a sua essência.

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