O poder dos ensinamentos do eterno Charlie Munger
Charlie Munger foi um dos mais bem-sucedidos investidores de todos os tempos. Mas o eterno amigo e parceiro de Warren Buffett é, acima de tudo, uma fonte de inspiração.
Ao contrário do seu eterno parceiro, Charlie Munger não era uma rockstar. Raramente concedia entrevistas e ainda mais raramente era visto em eventos públicos. Pautava-se por ser bastante recatado, mas tão assertivo e genial quanto Warren Buffett.
Isso foi bem visível na assembleia geral de acionistas da sua Berkshire Hathaway de 2011 que tive a oportunidade de assistir como jornalista. Enquanto Buffett percorreu durante largos minutos o Centro de Convenções de Omaha, visitando as dezenas de stands das empresas de que eram acionistas com uma Coca-Cola cherry na mão e a ser “perseguido” por uma onda de acionistas e fãs que procuravam a todo o custo tirar uma fotografia com o Oráculo de Omaha, Munger estava ausente. Só apareceu mais tarde, em plena assembleia geral e ao lado de Buffett para, durante seis horas, responder a todas as perguntas que os investidores tinham para si.
No secundário, Munger recebeu a alcunha de “Cérebro” e ganhou a reputação de ser hiperativo e indiferente a grande parte das coisas que passavam em seu redor. Características que nunca perdeu e que contribuíram sobremaneira para se tornar num dos investidores mais bem-sucedidos do mundo, com o seu grande amigo e parceiro de vida, que conheceu num almoço no Omaha Club em 1959 através de amigos em comum.
Oriundo de uma família que valorizava o conhecimento e a aprendizagem, Munger cresceu intelectualmente ambicioso que o levou até à Universidade de Michigan com apenas dezassete anos ao curso de “Matemáticas”. No entanto, no segundo ano de estudos e um ano após o célebre ataque a Pearl Harbour, Munger alistou-se no Exército norte-americano.
Charlie Munger foi muito mais que uma lenda ou um modelo para muitos investidores, pela sua clarividência, inteligência e astúcia. Para lá do mundo dos investimentos e dos negócios, ensinou-nos tanto sobre dignidade, compaixão, coragem e resiliência.
Durante o tempo de militar, frequentou a Universidade do Novo México e o Instituto de Tecnologia da Califórnia, onde frequentou cadeiras relacionadas com Meteorologia. Apesar de nunca se ter licenciado nesta área, ainda trabalhou um tempo no Alasca como meteorologista do Exército. Mas isso não lhe enchia as medidas.
Munger chegou a revelar que desde cedo que tinha uma considerável paixão para ser rico. “Não porque eu quisesse ter Ferraris, mas porque queria desesperadamente ser independente.”
Enquanto estava no Exército, para aumentar os seus rendimentos, Munger jogava poker. E fazia-o de forma bastante bem-sucedida. Segundo ele próprio, era capaz de fazer fold (desistir) de uma mão mais rapidamente quando as probabilidades não estavam a seu favor e apostar forte quando tinha as probabilidades a seu favor. Uma lição que levou para o resto da vida, nomeadamente para o mundo dos investimentos
Munger, que faleceu na terça-feira com 99 anos, a um mês de completar o centenário, ainda frequentou a Universidade de Harvard depois da Segunda Guerra Mundial, e apesar de nunca ter obtido um diploma universitário, foi graduado com distinção “magna cum laude” (grandes honras) pela Faculdade de Direito de Harvard em 1948.
Munger, que chegou a ser apelidado por Buffett como “praticamente o meu gémeo siamês”, não procurava diplomas nem alcançar cargos de relevo, tanto no mundo empresarial como na sociedade. Ele estudava para ter mais conhecimento. “Uma vida bem vivida é apenas aprender, aprender, aprender”, referiu Munger no decorrer da assembleia de acionistas da Berkshire Hathaway de 2017, para justificar que os erros são vitais para se alcançar o sucesso.
E era isso que fazia com o seu parceiro e amigo de mais de 60 anos, todos os dias, na sede da Berkshire Hathaway, em Omaha, ao ler livros e relatórios e contas de diversas empresas, para depois debater com Buffett.
Essa estratégia, que era diariamente acompanhada pelo princípio de fazerem ouvidos de mercador a tudo o que os rodeava, sobretudo às análises e projeções de Wall Street, deu resultado: desde 1964, quando os dois amigos e parceiros assumiram a gestão da Berkshire Hathaway, a empresa já foi multiplicada por quase 78 mil vezes, passando de um negócio de 10 milhões de dólares para quase 777 mil milhões de dólares atualmente.
Além de assertivo e bastante inteligente, Munger era também conhecido por nunca baixar os braços. Quando as coisas corriam menos bem, focava-se em novos objetivos, em vez de se lamentar pela negatividade desses problemas. Isso era visto como pragmatismo ou até mesmo como alguma insensibilidade, mas Munger encarava esse lema de vida como manter o horizonte à vista. “Nunca, perante uma tragédia, deixes que isso se transforme em duas ou três tragédias devido à tua falta de vontade”, referiu numa entrevista a Alice Schroeder para o livro “The Snowball”.
Este modo de vida foi fortemente condicionado pelo seu primeiro divórcio, mas sobretudo pela perda do seu filho, em 1955, quando este tinha apenas nove anos por leucemia. “Não consigo imaginar nenhuma experiência na vida pior do que perder um filho, dia após dia”, referiu Munger numa entrevista a Ed Aderson.
Munger será também lembrado por ter o hábito de estabelecer baixas expectativas para praticamente tudo. Ele encarava este princípio como “o caminho para a felicidade” porque considerava que elevadas expectativas conduzem à procura por erros. Baixando as expectativas, Munger acreditava que dificultava ser desapontado.
“A primeira regra de uma vida feliz é ter poucas expectativas. Essa é uma regra que se pode arranjar facilmente. E se tivermos expectativas irrealistas, seremos infelizes toda a vida”, referiu Munger na conferência anual dos acionistas da Daily Journal Corporation em 2021.
Admirador confesso de Benjamin Franklin, Munger era também conhecido pela sua generosidade, dedicando grande parte da sua fortuna a apoiar quatro causas em particular: o hospital Good Samaritan, em Los Angeles; as bibliotecas de Harvard Westlake School e de Huntington; e ainda a Stanford Law School.
A veia filantrópica de Munger foi garantida, sobretudo, pela doação de mais de 75% das suas ações na Berkshire Hathaway ao longo da sua vida, para financiar todos esses projetos.
Charlie Munger foi muito mais que uma lenda ou um modelo para muitos investidores, pela sua clarividência, inteligência e astúcia. Para lá do mundo dos investimentos e dos negócios, ensinou-nos tanto sobre dignidade, compaixão, coragem e resiliência. Tornou-se numa fonte de inspiração para todos os que aspiram alcançar a melhor versão de si mesmos.
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