O Professor Sérvulo Correia mostrou estar sempre à frente do seu tempo
Ana Taveira da Fonseca - um dos membros do júri e diretora da faculdade de direito da Católica- homenageou Sérvulo Correia, que recebeu o prémio Advocatus Life Achievment. Leia o discurso na íntegra.
Em boa hora, a Advocatus decidiu criar um prémio carreira que visa homenagear advogados com um percurso inspirador. Quando, em 2024, o Professor Eduardo Vera Cruz, a Professora Margarida Lima Rego e eu fomos convocados para uma primeira reunião com a redação do jornal, foi-nos explicado que, através da Advocatus Lifetime Achievement, pretendiam distinguir aqueles que, com o seu percurso profissional, tenham contribuído para “a afirmação do direito enquanto pilar central da sociedade e da economia” e distinguir percursos que servem de inspiração para a comunidade jurídica e são demonstrativos da sua vitalidade num Portugal democrático.
A exemplo do que aconteceu em 2024, este ano a redação do ECO elaborou uma nova shortlist de advogados que preenchiam indubitavelmente os pressupostos de que depende a atribuição do prémio e, por unanimidade, decidiu o júri, que hoje me cabe representar atribuir o prémio ao Professor Doutor Sérvulo Correia e, através dele, reconhecer uma personalidade ímpar da advocacia e da academia portuguesas.
A decisão foi tomada por unanimidade e de forma célere, porque o Professor Sérvulo Correia, para além de um extraordinário advogado, árbitro, jurisconsulto, professor e investigador, é um cidadão exemplar.
Nasceu em Angra do Heroísmo, um jardim suspenso no meio do Atlântico, onde o Pai era Professor. Apesar de a família ter regressado a Fratel de onde eram oriundos todos os seus ascendentes, ainda na sua infância, manteve a ligação aos Açores natal, sem nunca esquecer Fratel onde ainda tem uma casa de família. No 4.º ano do Liceu passou a viver em Lisboa e a estudar no Liceu Camões, onde o Pai era Reitor, e posteriormente no Liceu D. João de Castro. Em 1954, com somente 16 anos, entrou na Faculdade de Direito, onde se licenciou em 1959.
Cumpriu serviço militar na Guiné, onde foi subdelegado do Procurador da República na Comarca de Bissau. Guarda boas recordações do tempo em que cumpriu serviço militar, apesar de ter perdido um grande amigo na Guiné. No regresso, em 1962, teve um escritório na Rua do Carmo, num gabinete sublocado, onde exercia uma advocacia generalista, correspondente aos padrões da época. Entre 1964 e 1972 foi simultaneamente assistente do Centro de Estudos do Ministério das Corporações, onde desenvolveu atividade de consultadoria em matérias como a segurança social e as sociedades cooperativas, que são, ainda hoje, pouco exploradas nas universidades, apesar da sua enorme relevância social.
No final de 1968, concluiu o Curso Complementar de Ciências Jurídico Económicas, que então se designava por 6.ºano e que corresponde hoje ao mestrado, como a tese que versou sobre a Teoria da relação jurídica de seguro social. Tendo obtido a mais alta classificação, iniciou, em 1969, a carreira de assistente na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. A partir daí sedimenta o interesse pelo Direito Administrativo, começa a preparar o doutoramento e especializa-se nesta área também como advogado.
Em 1970, fundou o seu próprio escritório com vários colegas de profissão na Av. 5 de Outubro. Acaba por constituir uma sociedade de advogados e continua a afirmar-se como académico, sobretudo na área do direito público.
A convite do Dr. Rui Machete trabalhou no Centro de Estudos do PPD e elaborou o programa aprovado no primeiro Congresso. Foi Secretário de Estado da Emigração no VI Governo Provisório. Em 1976, foi eleito deputado nas primeiras eleições legislativas e escolhido pelos colegas de bancada como Vice
Presidente do Grupo Parlamentar do PPD. Sai do partido, em 1979, por não concordar com algumas opções da direção.
Com o 25 de abril, sonhou um Portugal novo, mas compreendeu que, em democracia, há muitas formas de contribuir para o desenvolvimento de um país que não passam necessariamente pela política. Foi o que procurou fazer nos anos subsequentes aos da sua passagem pelo PPD. Funda uma sociedade de advogados, a Sérvulo Correia, Asdrúbal Calisto e Associados. Regressa à Universidade de Lisboa onde se doutora, em 1987, com distinção e louvor, com uma dissertação subordinada ao tema Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos e reúne no escritório um núcleo de jovens juristas especializados na área do direito público, muitos deles seus assistentes na Faculdade e acaba por, em 1999, abrir uma sociedade de advogados, na Rua da Artilharia Um, a Sérvulo Correia e Associados. A sociedade vai alargando as áreas a que se dedica e transfere-se para a Rua Garret, onde hoje ainda permanece com o nome de Sérvulo e Associados. O projeto cresceu e é hoje uma das maiores sociedades portuguesas de advogados full service com grande reconhecimento dentro e fora de Portugal pela qualidade do trabalho que produz.
O Professor Sérvulo Correia mostrou estar sempre à frente do seu tempo. Criou uma sociedade de advogados altamente especializada numa área que poucos dominavam. Procurou trazer para o projeto os melhores. Exerceu uma advocacia de qualidade em prol dos seus clientes.
Colocou a experiência e o conhecimento adquiridos ao longo de muitos anos de trabalho ao serviço do país, quando liderou projetos de alteração legislativa, como o Código dos Contratos Públicos. Contribuiu como poucos para o movimento de modernização e europeização do direito administrativo português.
E no meio disto, teve na família, nos 7 filhos e 23 netos, muitos aqui presentes, a sua prioridade e o maior esteio.
Num tempo incerto, mantém os interesses, continua a lutar pelo aprofundamento do Estado de Direito, sem ser tentado pelo relativismo tão em voga. Em setembro de 2022, integrou uma missão enviada a Kiev pela Organização Europeia de Direito Publico para dar apoio ao processo de reforma do sistema jurídico ucraniano. Não rejeita o que é novo, mesmo que o novo obrigue a repensar a forma como se investiga ou trabalha, mas mantém hábitos antigos. Continua a ser um amante dos livros. Preocupa-se com a falta de hábitos de leitura dos mais novos e, por isso, premeia os 23 netos quando aparecem em condições de discutir o que leram com o avô.
A carreira do Professor Sérvulo Correia mais do que longa, é sobretudo muito rica e completa. A advocacia e a universidade portuguesas devem-lhe muito e foi isto que se pretendeu assinalar com a entrega deste prémio.
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