O que aprendemos com a história das prisões?
E se as prisões do século XXI fossem casas? Casas inseridas numa comunidade local, com uma dimensão tendencialmente pequena, que possibilite um ambiente de familiaridade e as normais rotinas.
O conceito de prisão, como o conhecemos hoje em dia, foi concebido há já mais de 200 anos. A forma como é vivida a privação de liberdade não sofreu alterações significativas desde então, o que deveria despertar a nossa curiosidade sob dois prismas. Em primeiro lugar, a estagnação dos sistemas prisionais é flagrante quando comparada com as melhorias exponenciais que, no mesmo período de tempo, se registaram nas demais áreas da sociedade, sobretudo com a evolução tecnológica. Em segundo lugar, esta estagnação é preocupante se tivermos em consideração que, de acordo com os dados existentes, a “experiência de prisão” não alcança os fins a que se propõe, de prevenção da reincidência e de reinserção das pessoas reclusas na sociedade. Na verdade, estudos demonstram que a experiência de prisão pode originar até um aumento da reincidência e que quanto maior a severidade da execução da pena, maior a probabilidade de uma condenação futura.
Não obstante, o conceito de prisão teima em replicar-se, como um padrão, apesar de a “lição da História” demonstrar que este modelo não contribui para comunidades mais seguras. Será plausível acreditar que a institucionalização de uma pessoa numa prisão de larga escala, provavelmente sobrelotada, carenciada de recursos e fortemente isolada de qualquer comunidade local, é a forma ideal de proporcionar a essa mesma pessoa uma plena compreensão das condutas saudáveis e exigíveis em sociedade?
Para Nelson Mandela, que esteve preso 27 anos, “ninguém conhece verdadeiramente uma nação até que esteja dentro das suas prisões.” O conhecimento das prisões é o primeiro passo para reconhecer a urgência de uma mudança. Alguns factos podem introduzir-nos – de forma objetiva, mas ainda superficial – à realidade do sistema prisional português. O que é conhecido? Portugal está entre os países da Europa com a maior duração média de penas. No final de 2019, mais de metade das prisões portuguesas estavam sobrelotadas. Essa sobrelotação, aliada à falta de condições, levou a que o Estado Português fosse condenado, por unanimidade, pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, pelo tratamento degradante e desumano infligido a uma pessoa reclusa. O que não é conhecido? Uma taxa de reincidência oficial, em Portugal.
Para onde pode evoluir a privação de liberdade no século XXI? Como podem ser redesenhado um sistema prisional? As Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos, também conhecidas por Regras de Nelson Mandela, lançam os alicerces para uma mudança, ao relembrarem que “a privação de liberdade deve aproximar-se, tanto quanto possível, dos aspetos positivos da vida em sociedade”. A pena de prisão implica, sim, uma obrigação de permanência num determinado espaço. Esse espaço deve, em si mesmo, aproximar-se de uma “vida positiva em sociedade”. Qual é o espaço de eleição, transversal a todas as culturas e resistente à passagem do tempo, que serve de célula para a organização de comunidades? Uma casa.
E se as prisões do século XXI fossem casas? Casas inseridas numa comunidade local, com uma dimensão tendencialmente pequena, que possibilite um ambiente de familiaridade, as normais rotinas e responsabilidades comunitárias e um acompanhamento individualizado de cada pessoa. O desafio do Prison Insights – um evento organizado pela APAC Portugal e pelo Instituto Miguel Galvão Teles – em 2021 é precisamente este: o de dar a conhecer, a partir da experiência de oradores internacionais, os desafios e benefícios das casas de detenção, como solução alternativa às prisões tradicionais.
* Saiba mais sobre os oradores e sobre como participar aqui. As 5 sessões online terão lugar nos dias 29 de abril, 6, 13, 20 e 27 de maio.
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