O que é que a Dinamarca tem… “A Lei de Jante” e a lei da jante
Quando vivemos fora, é inevitável fazermos comparações. E é isso que nos propomos fazer neste espaço: refletir sobre o que se passa em Portugal, com um olhar algo “estrangeirado”.
O famoso escritor dinamarquês Hans Christian Andersen (1805-1875) visitou Portugal entre 6 de Maio e 14 de Agosto de 1866 e daí resultou o livro “Uma Visita a Portugal em 1866” onde partilha as suas impressões dessa estada. Aí se lê: “Que transição, ao entrar em Portugal, vindo de Espanha! Era como sair da Idade Média para entrar no presente.” (…) “Como tem este país todos os encantos!” (…) “O cemitério maior, não o vi, tem o nome de ‘Prazeres’, isto é, em dinamarquês Fornøielse, em francês plasir. Quase nos faz crer ter sido um humorista que baptizou o lugar.” (…) “A mais bela e decantada parte de Portugal é a inigualável Sintra. ‘O novo paraíso’, denominou-a Byron. ‘Aqui a Primavera tem seu trono’, assim a cantou o poeta português Garrett.” (…) “Diz-se que todo o estrangeiro poderá encontrar em Sintra um pedaço da sua pátria. Eu descobri aí a Dinamarca.”
Quando vivemos fora, ou viajamos, é inevitável fazermos comparações e deixarmos moldar o nosso pensamento por essas vivências. E é isso que nos propomos fazer neste espaço: refletir sobre o que se passa em Portugal, com um olhar algo “estrangeirado”.
Vivi fora uma parte da minha vida, em países tão distintos como a República Centro Africana (onde nasci) ou os EUA (onde estudei e trabalhei). Em 2018 voltei a emigrar, desta vez para um país da União Europeia mais comparável ao nosso. Tal como Portugal, a Dinamarca é um dos países mais antigos do mundo e já foi uma das suas principais superpotências, possuindo um riquíssimo legado e tradição marítima. Entretanto perdeu uma parte da sua influência geopolítica (e do território) e é hoje um país pequeno de 5,7, milhões de habitantes, rodeado de água e com uma única fronteira terrestre para um vizinho bastante maior e mais poderoso, com quem teve vários conflitos ao longo da história (a Alemanha).
Mas esta monarquia constitucional composta por uma península e 443 ilhas, apresenta também diferenças substanciais com a nossa república: tal como os vizinhos nórdicos, não aderiu ao euro. O PIB dinamarquês é 2,6 vezes superior ao português, colocando a Dinamarca entre os mais ricos do mundo, com um incrível portfolio de grandes empresas que são referências mundiais (Maersk, Lego, Carlsberg, Vestas, etc). É o terceiro melhor pais do mundo para fazer negócios (Portugal é 34º) e o sexto no innovation index (Portugal é 31º). No índice de Liberdade Económica da Fundação Heritage, a Dinamarca é a 12ª nação mais livre, enquanto Portugal não vai além da 72ª posição. O país aparece sistematicamente no topo da lista dos países mais felizes do mundo (onde Portugal aparece em 94º), apesar de no futebol Portugal ter levado a melhor em 10 dos encontros oficiais e a Dinamarca apenas em 3.
Mas para quem trabalha numa organização nórdica, a famosa “Lei de Jante” é talvez o aspeto cultural mais enraizado e visível, e também o mais contrastante com os ambientes laborais que vivemos em Portugal e na maior parte do mundo ocidental.
Apesar de informal (não está inscrita em nenhuma constituição), a chamada “Lei de Jante” sugere que ninguém é melhor do que ninguém, do CEO ao porteiro, e molda efetivamente os comportamentos nos países nórdicos. O princípio subjacente é não pensarmos que somos especiais ou melhores do que os outros pois a tendência do coletivo será desvalorizar todo aquele que se julgue superior.
Todos os colaboradores de todos os níveis hierárquicos têm direitos e deveres no mesmo patamar de equidade. Esta “lei” foi originalmente criada pelo autor Aksel Sandemose no romance “Um refugiado segue o seu rasto” de 1933, onde descreve a pequena cidade fictícia de Jante, onde ninguém pode dizer que é melhor do que o seu próximo. Consistente com isto, as hierarquias nas organizações são horizontais. Os títulos académicos ou profissionais só significam que cada indivíduo tem um papel diferente na sociedade. O clima é de informalidade e equidade. Não surpreende por isso que a Dinamarca e os seus vizinhos nórdicos apareçam sempre no topo da lista dos países menos hierárquicos, com menor desigualdade económica e com mais elevada mobilidade social.
E em Portugal? Entre nós a lei dominante é bem diferente. Basta visitar os estacionamentos privados de algumas organizações em Lisboa, com lugares reservados e separados para o CEO, o conselho de administração, o presidente da junta, e o resto, para percebermos que aí domina a “lei da jante”. As jantes, sejam de aço ou de ligas leves de magnésio, simbolizam a marca e categorias do automóvel (e quase nunca da bicicleta) e são claros indicadores de estatuto. Bem diferentes os parques de estacionamento (e os meios de transporte em geral) entre Lisboa e Copenhaga.
E é isso que nos propomos fazer neste espaço nos próximos meses: olhar de fora para o que se passa em Portugal, com um olhar algo “estrangeirado”. No meu caso, usarei as minhas novas lentes nórdicas para comentar e refletir sobre Portugal, tentando respeitar a “lei de Jante”, ou seja, não se pretende concluir que determinados países são melhores do que outros… apenas refletir e aprender com as diferenças.
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