O que vale uma palavra, a nossa palavra?
As dificuldades sentidas nas relações entre as pessoas nesta fase de pandemia, e afastamento físico que estamos a viver, estão mais relacionadas com uma enorme falta de confiança que existe nós.
Muito se tem falado, desde o início da pandemia e com a necessidade imposta do teletrabalho, naquilo que devem ser os comportamentos dos líderes e gestores de pessoas para continuarem próximos dos colaboradores que lhes reportam. É verdade que o facto de não nos podermos encontrar frente a frente ou lado a lado, na empresa ou apenas a beber um café ou num almoço, não é facilitador das relações entre as pessoas. Contudo, se existir a preocupação de estar próximo, não tanto em termos de controlo como demasiadas vezes vejo acontecer, mas mais em termos de suporte às atividades e objetivos que as pessoas estão a desenvolver, ou apenas para perceber como as pessoas se sentem e que dificuldades estão a ter, isso também é possível fazer em modelo online, não?
O que me parece, na minha modesta opinião e daquilo que observo nas realidades organizacionais com as quais tenho estado em contacto, é que as dificuldades sentidas nas relações entre as pessoas nesta fase de pandemia, e o afastamento físico que estamos a viver, estão mais relacionadas com uma enorme falta de confiança que existe entre as pessoas, e que isso muitas vezes tem origem na falta de integridade dos intervenientes dessas relações.
Não sei se acontece convosco, mas às vezes tenho a sensação de que, para muitas pessoas com que me cruzo no meu caminho, a “palavra” conta cada vez menos; as pessoas não cumprem o que prometem, eventualmente nem se lembram do que prometeram e, como não têm essa preocupação, vão perdendo credibilidade junto das pessoas com quem interagem. Fico ainda mais triste, quando percebo que isso acontece com frequência com pessoas que são líderes de topo das empresas ou que têm a responsabilidade da função de gestão de pessoas. Não deveriam eles ser os primeiros a dar o exemplo? Será que a palavra, a “nossa palavra”, deixou de ter valor, e que já ninguém acredita em ninguém?
Todos sabemos as vantagens da confiança nos ambientes pessoais, organizacionais e sociais que nos rodeiam. Sente-se no ar um certo à vontade no estar e no ser, sem máscaras nem falsas identidades. Os gestores são honestos e lideram pelo exemplo, as pessoas dizem o que pensam, respeitam e são respeitadas, sabem com o que podem contar e, com base nisso, estão dispostas a contribuir com o máximo que podem e conseguem, a cada momento, para os objetivos que, sendo comuns, são também os delas próprias.
Mas a confiança tem de ser construída na verdade e integridade. Quem não cumpre com a sua palavra, que exemplo está a dar? Até pode acontecer que pensem assim – esta promessa não é assim tão grande, não tem assim tanta importância. Será? Quando olho à minha volta para aquilo que se passa na relação entre as pessoas nas organizações e não só, tenho mesmo a sensação de que a maioria das vezes a intenção é boa – promete-se com a intenção de cumprir -, mas depois, como estamos todos muito ocupados, nunca mais nos lembramos do que dissemos. E esse esquecimento vai gerando desconfiança nas relações e falta de credibilidade quando novas promessas voltarem a ser feitas.
Sermos a nossa palavra, e quando não é possível falar disso de forma sincera, reconhecendo com humildade a situação, é sempre uma escolha. E essa escolha tem um impacto, uma consequência, em nós, no modo como nos sentimos, e nos que nos rodeiam. É fácil, muito fácil mesmo, arranjar justificações para não sermos a nossa palavra. Nalguns casos, e de acordo com alguma agenda pessoal, somos umas vezes e com algumas pessoas, e não somos outras vezes com outras pessoas. Esquecemo-nos que o mundo é pequeno e redondo; quem hoje é importante amanhã pode não ser, e vice-versa.
*Margarida Barreto é presidente da Assembleia Geral da APG.
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